Não usei véu na cabeça porque o meu cabelo era curto e nunca gostei muito do glamour daquele tecido à transparência. Tranparentes queriam-se os sentimentos. E só neles confiei naquele início de tarde de Sábado, 20 de Outubro de 2001. Em casa houve visitas e fotografias. As da praxe, com a família, mas sem espelhos e imagens reflectidas, telefones onde se finge falar, beijos trocados para a imagem. Não quis nada disso. Pedi naturalidade. E tive-a, em máquinas digitais, a cores e a preto-e-branco. Desci do terceiro andar com o vestido na mão, evitando os pisões tão típicos aos vestidos de noiva. O meu assentava-me bem e fazia de mim uma bonita menina, nos meus 28 anos que talvez parecessem 25; um pouco de salto para não crescer demasiado, mantendo a necessária elegância para a ocasião. E uma cor ténue no rosto.
Entrei no Peugeot descapotável do meu irmão. Ia ser conduzida por ele naqueles 500 metros até à Igreja, percurso que tantas vezes fiz a pé. Recebeu um telefonema: temos de esperar, os sogros ainda não chegaram. Pausa. Carro estacionado com noiva lá denro à espera dos pais do noivo. Hilariante. Podem seguir. E lá fomos, átrio adentro, saída em classe, ramo na mão direita e tulipas vermelhas, pose, sorriso, o meu Pai. Dei-lhe o braço e apertei-o. Era o momento.
Cantava-se o Ave Maria de Gunout. O órgão marca os passos na passadeira vermelha que tantas vezes pisei sem tal solenidade. Todos olham para mim. Sorrio. Sorriem-me. Uma espécie de montra adorada onde todos querem pôr defeitos mas, naquele momento exacto, só conseguem ver virtudes. As noivas são sempre tão lindas, não é?
A cerimónia começa. A música que os meus amigos cantam enche-me a alma. O espírito daquelas 300 pessoas faz-se sentir no silêncio que preferem preservar enquanto avançamos mais um passo. As alianças de ouro branco surgem na mão das crianças. Trocamo-las de voz trémula, um ou outro sorriso, um riso mais alargado. E as promessas de Amor. As que queremos para sempre.
O Padre esquece-se do abraço da Paz mas ele beija-me na testa como que a confirmar o acto. Estamos casados. Naquele momento ninguém imagina que é por pouco tempo. Estamos casados. Sorrimos e damos as mãos. Cantamos. Crianças fazem uma festa, fitas coloridas sobem ao alto, em arco; meninos trazem quadros pintados à mão que recebemos em tom de oferta. São os meus doces sobrinhos. O grupo continua a tocar, músicas que compus e escrevi, outras que outros fizeram, passagens de filmes que vimos. Alegrias feitas acordes. E no fim já todos dançam e batem palmas. Não é um casamento cigano, apenas alegria partilhada por dezenas de pessoas que gostam dos actores principais. O casal!
Estás muito bonita, disse-me mal cheguei junto dele quando o meu pai me passou a mão. Obrigada, consegui dizer. E, nesse dia, nunca chorei.