domingo, janeiro 29, 2006

Duas sem três

Ia escrever sobre futebol. Pelas razões óbvias mudei de ideias. Mas um Benfica-Sporting há muito que deixou de ser um simples jogo de futebol. Disse-te um dia – num dia específico – que acreditava no destino. Em menos de um ano vi o Benfica ganhar por duas vezes ao Sporting na Luz. Hoje escrevi numa mensagem provocatória que 'não há duas sem três'. Enganei-me.

Vimos juntas o Jeux d' Enfants. Choramos juntas e prometemos que a partir dali só víamos desenhos animados. Foi quando me contaste dos jogos, os teus. Parada no sinal, pensavas que ele iria ligar se o terceiro carro a passar no cruzamento fosse azul. Verde, vermelho, cinzento. Ele não ia ligar. Lembro-me que o sentimos em dois momentos distintos nesse dia até que me enviaste uma mensagem que dizia: “De repente senti que o destino existe mesmo”. Mudavas de estação à espera de ouvir aquela música, porque se fosse aquela era sinal que irias esbarrar com ele. E da caixinha negra saíam os acordes desejados. Mas não o encontravas. Eu olhei para a mensagem, não para o jogo, aquele jogo que de repente não me interessava para nada. Olhei para a mensagem e sorri. Mesmo assim, persistias. Irredutível como todos os que verdadeiramente amaram. Paravas o carro e andavas sem pisar as pedras pretas da calçada. Se o fizesses ele não ia aparecer. Mas pisavas, nem que fosse só com a ponta do sapato. O destino, a partir desse momento, passou a existir. Jogos como os que fazíamos na infância. Rodar o pé da maça enquanto soletrávamos o alfabeto mentalmente, à espera que partisse naquela letra, porque só aquela nos interessava. Porque o destino só existe quando duas pessoas, no mesmo tempo e na mesma circunstância acreditam nele. Será que ainda ensinam estas tontices aos miúdos. Saberão eles pegar num malmequer, se bem que já quase não há malmequeres, há margaridas deslavadas engendradas em estufas, e arrancar pétalas numa espécie de oração proferida a meia voz: bem-me-quer-mal-me-quer-muito-pouco-ou-nada-bem-me-quer-mal-me-quer-muito-pouco-ou... O destino existe entre nós. É por isso que um Benfica-Sporting não é um simples jogo de futebol. E o Benfica perdeu.

1 comentário:

Anónimo disse...

é extrordinario como de um jogo de futebol (e eu não ligo nenhuma a futebol) consegues fazer um post tão incrivelmente agradavel de ler.
muito muito bom