quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Carta ao Passado

Caro Passado,

Muito estimo que te encontres bem e de saúde, tu e os teus. Eu por cá vou andando, graças a Deus.

Escrevo-te neste presente porque, convencida que tinhas passado, prossegui a minha vida como se nada fosse, como se o que 'lá vai, lá vai', como se não tivesse, nunca mais, de enfrentar-te. Enganei-me.

Disseste-me que o tempo era a tua forma de deixar de existir. Convenceste-me disso todos os dias em que te invoquei. Lá passou, o tempo, três anos, se queres que seja concreta, e nada. Não te foste embora, como ameaçaste, como prometeste, como chegaste a fazer. Nunca saíste, afinal.

Pergunto-me, caro passado, o que ainda fazes por cá? Não preciso que venhas matar saudades, não preciso que tragas memórias - boas ou más - preferia que ficasses lá atrás, como disseste que farias, como a História prova em tudo o que passa. Caro Passado, julgas-te uma excepção?

Muito gostaria de não voltar a ter-te no meu presente. O melhor será passares de vez, deixares de me perseguir, de me atormentar, de me lembrar que exististe, que fizeste parte da minha vida, que me formaste. Curto e grosso, e não leves a mal estas minhas palavras, deixa-me em paz!

Se à noite penso que o dia de ontem acabou, lá vens tu recordar-me dos outros todos, os que também já estavam passados, mas que, na minha cama, assumem-se como dias de hoje, futuros imaginados, tempos que não passaram. Se de manhã acordo a pensar que mais um dia se risca no calendário, lá vens tu lembrar-me que 'há um anos isto...', 'há dois anos aquilo', 'há três, quatro, cinco...' e assim sucessivamente até perto da minha infância.

Caro passado,

Disseram-me que as memórias a guardar têm de ser as boas. Disseram-me ainda que o tempo não pára, que anda tudo para a frente, que o futuro é que conta e que temos de aproveitar o presente. A ti não te disseram nada?

Então, caro passado, está tudo trocado entre nós. Porque eu prefiro que vás, tu preferes ficar, e os dias assim não passam.

Sem mais, fica com os meus votos de felicidades, e devolve-me a que puderes.

2 comentários:

a dona da gata disse...

Terei de imaginar um. E tenho medo de fazê-lo. Talvez daqui a uns dias me encha de coragem...

Anónimo disse...

Foi aqui que percebi que eras tu. Porque este texto é a tua cara. * da afilhada, again.