quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Ordem de despejo

As borboletas agarraram no telefone e ligaram. Telefonaram para dizer que perderam as palavras quando se viram retratadas em caracteres escritos a preto e branco. Eu preferia que voassem, as minhas, até ao sol e queimassem as asas. Que cumprissem a ordem de despejo interposta em tribunal. Lá se explica que é para o seu próprio bem, que vão sofrer com o frio. Mas o meu corpo, esquizofrenia pura, como diria a minha amiga Dia, diz-me que é Verão. Sinto-o na pele, nos cheiros, em todos os sentidos. Talvez por isso as borboletas se tenham sobressaltado com a gargalhada provocada pela voz orgásmica que me falava docemente ao ouvido. A voz que dizia aquilo que já sabíamos quando chegaram as borboletas. Mas não ouvi o que me dizia. Ouvi o que queria. Seleccionei as palavras, os silêncios. Mas também sei que não há dois finais para esta estória. Este ‘você decide’ estava viciado à partida. E as borboletas vão ter que sair. Ligo para o corpo de intervenção, mando vir o exército se for preciso, mas o raio dos insectos têm que cumprir a renúncia unilateral de contrato que chegou agora mesmo por email.

4 comentários:

Dia disse...

O que importa é que tenha sido um amor que viveu a 4500 rotações, como vivem as efémeras - que não são "aqueles insectos com asas como as borboletas que morrem por serem atraídos pela luz"; são os que têm 24 horas de vida. Esses, os que são atraídos para a luz, são borboletas nocturnas, e lembro-me de estar junto ao lago do meu avô, e de as tontas das borboletas, que são feiosas, em tons de terra, parecerem pirilampos, no preciso momento em entravam em combustão espontânea, com as asas a arder, pelos holofotes de milhares de wolts do jardim botânico que o meu avô lá criou, armado em Deus.

Carrie disse...

Não foi, nem será, sequer um amor. Foi uma alucinação vivida a milhares de quilómetros de distância, temperada por caipirinha. Agora não sei de quem é a culpa: se do clima (teoria longamente debatida numa noite quente, um calor que me enchia a cabeça de sexo), se do álcool das caipirinhas (versão menos consistente discutida às 5h30 num dia em que fiquei estupidamente sóbria). Minha não é de certeza...

mac disse...

não há como evitar não deixar de passar por aqui e ouvir de perto coisas assim.
muito bom. com o risco de ser tudo verdade.

Carrie disse...

Sim, mac, é tudo verdade. Para o bem e para o mal...