Um xilofone no Carnaval
As gentes da terra sairam à rua e juntaram-se à beira da estrada para ver passar o cortejo. Ouvia-se música, misturada, brasileira e portuguesa, a do costume nestas datas. Mas nenhuma da que chegava aos meus ouvidos me alegrava. Não gosto do Carnaval há muito e hoje, só um xilofone me fez sair da cama para fazer quilómetros até Samora Correia.
Subi à janela de uma casa amiga, procurada ao acaso, mas bem recebida, e ali fiquei à janela, a vê-los passar. Primeiro uns, com carros com bois em cima montados, não verdadeiros, mas imponentes para provar que a terra é ribatejana... depois da tourada, poderia ser a vacaria a chegar, se as meninas não tremessem tanto de frio e se pudessem sorrir à falta de um copo de leite quente. Voavam as plumas, aconchegavam-se as lantejoulas ao corpo, colavam-se os tules de festa a uns rostos arrepiados e encardidos por pinturas gastas, talvez arrependidas por ali andarem em cortejo... sem assim conseguir cortejar...
Passaram mais. Animais e coloridos. Monstros e reis da festa.
Até que chegou o meu xilofone. Vinha toda ela tapada pela base esponjosa que dá forma ao instrumento, cabelo amarrado para não cair no 'sol' errado, collants quentinhos para não tocarem no 'dó menor', e o sorriso de quem é, já por si, música para tanta gente, e nem precisa de dançar.
O meu xilofone tem 8 anos e toca-me. Estava preocupada com o cortejo, com os outros instrumentos, com os outros xilofones, com perfeição dos movimentos, com o sucesso da passagem... porque o treino tinha sido árduo e as noites sonhadas na pele de um instrumento musical afinado. Nos outros procurava sorrisos. Mais para descansar o dela, que para espelhar-se neles.
O nosso encontrou-se e gravei o momento. A música fez-se ouvir melodiosa. Mas acho que foi só no meu coração. Soaram os acordes que me fizeram feliz, esta tarde.
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