domingo, fevereiro 12, 2006

Homenagem

Durante anos a H. foi a minha melhor amiga. Crescemos juntas. Aprendemos juntas. Choramos. Partilhamos confidências e famílias. A vida levou-nos por estradas diferentes. Hoje pouco temos em comum mas mais de uma década de irmandade - porque era isso que nos unia - não se apagam levianamente. Vemo-nos pouco. A culpa é quase exclusivamente minha. Houve um altura da minha vida em que comecei a evitá-la. Despertava-me pouco interesse. Achei que a H. pouco me tinha dizer. Evitei-a.
Em momentos de aflição, a H. liga-me sempre. Eu costumava fugir sem compreender que, para ela, quando tudo estava mal era importante encontrar um ponto de referência. EU

A H. nasceu numa casa cheia.
O pai fugiu quando ela era pequena e ela cresceu a pensar que a culpa tinha sido sua.
Na casa cheia vivia o avô, que ela encontrou morto na cama quando era ainda uma criança que não connhecia a morte.
A irmã mais velha casou com um esquizofrénico diagnosticado que se suicidou no andar de baixo.
Viveu um grande amor na adolescência. Durou anos. Até que os potenciais futuros sogros, de um estrato social avançado, acharam que era altura de o filho encontrar uma mulher ao seu nível. Terminaram.
Por tudo, a H. teve uma depressão. Tentou suicidar-se. Recompôs-se.
Um dia decidiu partir para a Alemanha. Ia à procura do pai. Queria ouvir que a culpa da ausência não era sua.
Juntou dinheiro, partiu e encontrou-o. O pai recusou-se a recebê-la. Partiu-lhe, mais uma vez, o coração e passados dois anos morreu na indigência.
Uma das irmãs da H., que não a mais velha, casou com uma pessoa adorável mas que sofre de um problema psiquiátrico crónico pelo que terá que ser medicado para o resto da vida.
(Quase recomposta) do desgosto de amor, a H. entra numa nova relação que ainda durou algum tempo. Terminaram mas cruzam-se numa passagem de ano. Dois meses depois descobre que estava grávida. Ele promete ajudá-la a fazer o aborto, pagando-o a meias. Não o fez. E nem sequer um telefonema para saber como ela estava.
A H. tirou um curso superior. Já lá vão anos sem que consiga exercer na sua área. Está no desemprego e passa os dias a concorrer a concursos públicos que até agora não deram em nada.
Mais uma relação. Eu gosto dele. É pessoa honesta, sem adornos. Mas deprimido devido a um passado familiar sem explicação.
Em Dezembro a H. telefonou-me. Já não falavamos há meses. O irmão mais novo do namorado tinha cometido suicidio. Na família disfuncional ninguém acreditava no diagnóstico. O namorado da H. estava de cabeça perdida e ela sem forças para mais um drama. E eu com remorsos das vezes que a evitei sob o pretexto de que a H. tinha-se tornado numa pessoa pouco interessante. Na verdade, o que me custava era o peso dos dramas da sua vida. E enquanto eu fugia das dores que não eram minhas, a H, continuava a arregaçar as mangas e a seguir em frente. Com determinação. E foi quando percebi o porquê das minhas ausências, que lhe ganhei um respeito do tamanho do mundo.
Estava a dever-lhe esta homenagem.

1 comentário:

Ladybug disse...

E ainda digo eu (por vezes) mal da minha vida! Devia bater na boca.
Um grande beijinho para a H., uma Mulher com M grande.