À espera em África
É considerado um dos melhores jornalistas do século XX e entrou de forma avassaladora para a galeria dos meus autores de eleição. Sei que é polaco e pouco mais me interessa. A mim, Kapuscinski dá-me o mundo. Deixo apenas uma pequena amostra:
"Os europeus e africanos têm noções de tempo completamente diferentes. A percepção que têm do tempo é diferente, como é diferente a relação que com ele mantêm. O europeu está convencido de que o tempo tem uma existência exterior a ele próprio, uma existência objectiva e com uma natureza mensurável e linear. [O africano não] daí que depois de entrar num autocarro, nunca pergunte quando vai partir; entra, senta-se num lugar livre e passa imediatamente a um estado no qual passa uma grande parte da sua vida - à espera. (...) Em que consiste esta espera? Quando entram neste estado, as pessoas sabem à partida o que vai acontecer: escolhem uma posição tão confortável quando possível, num local agradável. Muitas vezes deitam-se, ou acocoram-se no chão, sobre uma pedra ou rochedo. Calam-se. A maioria daqueles que espera, fá-lo em silêncio. Não abre a boca, emudece. Os músculos descontraem-se. O corpo torna-se flácido, afunda-se cada vez mais, inclina-se para a frente. O pescoço fica hirto e a cabeça deixa de se mexer. Aquele que espera não olha à sua volta, não vê nada, não é curioso. Por vezes, mantém os olhos fechados, mas nem sempre. Na maior parte do tempo os olhos estão abertos, mas o olhar é ausente, sem um sinal de vida. Durante horas observei grupos de pessoas que se encontravam neste estado de espera e posso, por isso, afirmar que caem num sono fisiológico profundo: não comem, não bebem, não urinam. Não reagem ao sol implacavelmente quente, às moscas incómodas e vorazes, que lhes pousam sobre as pálpebras e a boca. O que lhes vai nas suas cabeças? Não sei, não faço ideia. Será quem pensam? Sonham? recordam? Planeiam o que quer que seja? Meditam? Será que se encontram num outro mundo? É difícil dizer."
Ryszard Kapuscinski in "Ébano"
2 comentários:
Pela parte que me toca, espero por África. Pelo dia em que possa fazer mais meu aquele imenso Continente. O que vi não me chega. Quero mais. Sempre mais. Do calor de africana, dos cheiros, das pessoas...
Quem é o Pedro Nuno?!
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