O 'meu' Rio de Janeiro
Havia livros para divulgar, um Nobel que ainda não o era - ou que tinha acabado de sê-lo, não me lembro bem - brasileiros, actores para conhecer, portugueses para exibir, bibliotecas para visitar... e algum tempo livre.
Meti-me num avião com lugares vagos em económica e um Ministro lá à frente, com os meus colegas assessores. Eu escolhi a parte de trás porque era melhor assim, acompanhar de perto quem ia trabalhar, quem levava material na mão, o papel e a câmara de filmar, o gravador e a caneta bic. Estávamos em 1998 e havia uma Bienal no Rio. Era a do Livro. Sempre gostei de ler.
Chegámos numa segunda ou numa terça. Parece que foi há séculos e o Rio tem-se apagado da minha memória a cada dia que passa. De propósito. Não costumo gostar dele.
Em Lisboa ficava a velhice de quem já não estava para leituras. Lia-se-lhe nos olhos que o fim estava para vir. Não de avião, como eu fui, mas num rio de lágrimas que depois trouxe.
Ficámos instalados no Copacabana Palace, centro da Avenida, vista fantástica, quarto de ricos sem vista para os pobres. Nada mau, no Rio de Janeiro. Os outros não, os da caneta e do papel ficaram mais à frente, que aquele hotel era caro e o Estado não é gastador, não senhor...
Ainda segui o Nobel a uma bela Biblioteca, centro da cidade, ruas arranjadas, livros em vitrines acabadas de limpar, outros velhos... mas a aguentarem-se. Sobrevivem, creio eu, ainda hoje, ao tempo que passa. Mas não o meu.
Ainda subi ao morro do Pão de Açúcar e olhei para o Redentor, Cristo no alto de um monte que se vê do outro. Ainda tirei fotografias. Não estão muito boas, mas guardo-as...
Ainda passeei pelo calçadão, também calçada porque era já noite, e vi as meninas, as garotas de programa, as prostitutas, os mafiosos, os moleques e tantos mais. Que não me fizeram mal.
Ainda jantei com os actores. Os mais conhecidos das novelas brasileiras, então as mais vistas do lado de cá, os mais sérios e mais antigos, porque os novos e bonitinhos não interessam à cultura. E eu estava culta, nessa noite.
Ainda telefonei para Lisboa. Estável, disseram-me.
Eram seis da manhã quando acordei. Não sei porquê. Os actores tinham-me feito deitar tarde. Foi uma noite mais prolongada com os do papel e caneta que também puderam jantar no Copacabana. E às seis da manhã, 10 da manhã em Lisboa, acordei!
Quando o telefone não foi atendido do lado cá - porque foi a primeira coisa que fiz ao acordar, era ainda noite naquele Rio de 98 - estranhei. Tentei outro, e nada. Tentei o terceiro.
Nesse dia o meu corpo deambulou descalço na praia. Era uma praia deserta, antes do início de uma manhã no Rio de Janeiro. Molhei os pés, sem querer. Virei-me de costas para não ver o mar que me parecia infinito e uma onda apanhou-me. Literalmente. Também o rosto ficou molhado, como agora, sempre que recordo essa manhã.
O regresso a Lisboa foi antecipado. Nessa tarde viajei sozinha em executiva e só a noite e as 10 horas de voo me puderam sossegar.
O meu avô tinha 83 anos. Vivia na minha casa e despedi-me dele antes de ir para o Rio. Senti que não voltaria a vê-lo. Fui na mesma. Muito me arrependi quando percebi que só viria a tempo para o funeral.
3 comentários:
Quando comecei a preparar o casamento já sabia que a minha Avó estava muito doente. Pensei adiantar (para Abril) mas decidi manter a data. Casei em setembro. A minha Avó morreu em Março. Se tivesse adiantado não teria servido de nada.
Isto tudo para concluir que não podemos deixar de viver a nossa vida por medo que algo aconteça.
Não sabemos quando nem se vai acontecer. Não adivinhamos o futuro. Não podemos viver no futuro. Não te culpabilizes por teres vivido no presente. Não te culpabilizes por teres vivido.
Quando parti para Itália sabia que o meu avô estava muito doente. Tive medo de estar ausente. Mas ainda assim, fui. E quando voltei passei toda a semana com ele. Morreu nos meus braços. E pude despedir-me dele. E pude passar com ele todos os últimos momentos da vida, dele. Tive mais sorte... e não troco por nada nenhum dia daquela última semana. O meu avô tinha 85 anos.
Obrigada pela partilha.
Por mim, tento agora aproveitar cada segundo da minha única avó, que tem 90 anos e gosta de mim como se tivesse outra vida inteira para me ver.
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