sexta-feira, março 21, 2008

Confissões

Costumam guardar segredos, as confissões. Refiro-me aqui às que se fazem perante a Igreja, nomeadamente perante um padre: Acto de Contricção, palavras, arrependimento e penitência. No sigilo da confissão, o sacerdote nada pode dizer ou fazer. Limita-se a ouvir, talvez aconselhar, sobretudo apresentar a visão da Igreja perante isto ou aquilo.

Em Sexta-Feira Santa decidi dar uma nova oportunidade à Igreja. Como sempre faço, na Páscoa, procurei as cerimónias que assinalam a morte de Jesus. São solenes e gosto sempre do diálogo do Evangelho, aquele em que Pilatos "lava as mãos", em que Pedro nega três vezes, em que Cristo é trespassado por uma lança... Terminada a celebração pensei que era bom falar com o Padre L.. Com ele fiz toda a minha vida dita religiosa, excepto o Baptismo. Foi com ele a Primeira Comunhão, a Profissão de Fé, a catequese e as actividades na Paróquia... Foi ele quem me casou. And that's the point...

Desde o meu casamento que não pisava um confessionário. Foi em 2001. E desde o meu divórcio que não cumpro a maior partre dos preceitos da Igreja. Já lá vão 5 anos. Decidi então, dizia, conversar com o Padre L. - sempre tão preocupado comigo - e falar-lhe, em confissão sobre o que me fez parar. Puxou-me para um canto da Igreja e sentou-se numa cadeira, esperando que me joelhasse no móvel para o efeito. Há muitos anos que não me joelhava. Mesmo noutras confissões, sempre tive oportunidade de ficar sentada, frente-a-frente com o sacerdote. Propositadamente, ou não, ele escolheu hoje esta posição para mim. 'Devias pedir a anulação do casamento', começou. Sorri. Já me tinha oferecido esta possibilidade de recuar no tempo e na vida. 'Não quero', disse-lhe convictamente. Explicou-me, sem querer saber pormenores, porque devia eu optar por essa solução. E a única e verdadeira razão chama-se Instituição - Igreja. Essa pesada e maçadora instituição controla a vida de um católico de forma aterradora, manieta-nos como Cristo foi manietado naquela sexta-feira de morte; apodera-se de nós como se nada pudessemos decidir sem condições, sem hierarquia, sem um olhar soberano. A conversa terá durado uns 20 minutos. Disse-me o Padre L. que eu tinha três hipóteses para que a minha vida fosse sã e em conformidade com a Igreja Católica e Apostólica: a anulação do casamento, já referi; uma vida em solidão, com a possível adopção de crianças; a morte do meu conjuge (perante a Igreja, leia-se, o meu ex-marido). Negando eu os dois primeiros e não desejando o terceiro, nada mais me restava (ainda aventou a possibilidade de viver com um homem 'como irmãos', mas logo adiantou que nem ele achava boa ideia). Para a Igreja, não é possível um casamento suceder a um casamento; não é possível uma pessoa reconstitruir a vida sem que se arrependa de um passo anterior. O Padre L. deu-me a entender que a opinião dele é diferente. Ele, que diz ser meu 'amigo até ao fim da vida', garante-me que não acha bem eu ficar sozinha. E percebe que eu não espere uma morte que pode ser posterior à minha... mas gostaria muito que eu avançasse para a dissolução. Compreende a minha rejeição, aceita-a e respeita-a, mas tenta convercer-me e pede-me para pensar sobre isso. Eu não penso mais sobre um assunto que está, para mim, arrumado. Duas pessoas casam-se, acreditam amar-se mutuamente, juram a eternidade, sabem qúe é um risco, uma aventura, uma decisão de responsabilidade. Avançam. Nem tudo corre como o esperado, termina a relação, o que parecia para sempre acaba no aqui e agora. Acontece todos os dias...

Tenho pena que a Igreja que segui desde miúda não respeite a minha forma de estar, não aceite uma postura que mais não é que honesta, humilde e de grande respeito por todos. Seria preferível dizer que um dos momentos mais felizes da minha vida simplesmente não existiu; negar 12 anos de uma relação; esquecer que o amor tanta vezes foi jurado... Mas, pelo menos, a Igreja ficaria satisfeita.

Um outro padre sugeriu que fizesse a minha vida num sítio onde não me conhecem. Vida religiosa, bem entendido. Ou seja, disse-me para ignorar os preceitos de uma Igreja retrógada, mas não dizer a ninguém. É tão terno quanto triste.

Não me surpreeendeu, a conversa desta tarde. Nem sequer me deixou triste. Mais triste fiquei quando me foi dito que poderia ir lá, bater à porta, sempre que quisesse chorar. É que nunca me tinha visto chorar, disse-me o Padre L. É porque não olhou para mim durante dois anos inteirinhos, pensei. Porque nesses mais de 700 dias, eu não fiz outra coisa.

3 comentários:

Rosa Negra disse...

Vejo na posição da Igreja alguma contradição: o casamento é um acto indissolúvel "até que a morte os separe". Mas há a hipótese de anulação, como se não tivesse existido. Não faz sentido.
Votos de uma Páscoa feliz :)

Maariah disse...

As tuas "confissões" enquanto católica emocionam-me sempre. Talvez porque me reveja nelas. Também lamento que a Igreja tome certas posições que em muitos casos só nos afastam. E também lamento o meu afastamento.

LurdesMartins disse...

Samantha, só me apetece mandar-te um beijinho...