O [meu] bairro [ii]
Eu e a Aprendiz à entrada do pasquim. As duas sentadas de cócoras, encostadas à parede. Discutimos o tema que lhe cabe escrever. Eu desenho páginas num caderno de apontamentos. Estudamos a melhor forma de encaixar tudo em tão pouco espaço. É sempre pouco espaço para quem gosta de escrever. E escreve bem, ela. Vamos fumando um cigarro enquanto conversamos. Aproxima-se uma mulher. Cabelo branco, andar vagaroso. Abranda o passo quando se aproxima. Penso que vamos ter direito ao sermão do dia. Ela olha para nós e sorri. ‘O pior é se chove’. Levantamos as duas a cabeça. Olhamos sem termos a certeza de ter ouvido bem. Ela repete. Sempre com um sorriso nos lábios. Tem uns 70 anos e um sorriso doce. ‘É uma chatice’. Eu e a Aprendiz rimos, sem saber que dizer. ‘Tenho que fazer queixa ao primeiro-ministro’, diz em jeito de despedida. E continua pela rua fora, descansada. O passo de quem tem todo o tempo do mundo.
2 comentários:
Estava honestamente à espera de um sermão sobre os malefícios... o sorriso da senhora fez ganhar o dia
Mulher de espírito aberto e sorriso doce. Gostei :)
Também fico desarmada quando alguém me surpreende por não reagir como é "suposto".
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