91 anos de avó
Sorri pouco, mas quando sorri é linda. Fica toda marcada num rosto onde as rugas já são maiores que a pópria carne que lhe enche as faces pouco rosadas. Adoro as gargalhadas que ainda dá, mesmo quando vejo que lhe dói, rir, porque os cantos da boca já se cortaram por terem sido, um dia, tristes.
Veste de preto há uns seis anos, mais por temor que por convicção. Por mim coloria-a mais, dava-lhe uma roupagem mais jovem, menos pesada. Mas ela teme o dizer, o dizer dos outros sempre tão difícil para quem vive fechado, e com poucos olhares sobre si. Só se sente observado quem consegue contar quantos o observam. E ela consegue. São poucos, porque já só sai à rua com as mesmas pessoas, para os mesmos sítios, fazendo os mesmo percursos.
Tem sentido de humor, apesar de não o exercitar com toda a gente. Faz-se de difícil, às vezes, e protege-se nas doenças que não tem para não dar conversa ou negar qualquer convite que, simplesmente, não quer aceitar. Mas à sucapa lá me vai dizendo umas graças, lá vai fazendo cócegas aos bisnetos para os ver rir e sorrir com eles, lá vai dizendo piadas que poucos compreendem porque são ditas sem mexer os lábios.
Mas isto é o presente.
O passado traz memórias únicas, que podem fazer voltar à velha colher de pau em cima da mesa à espera que um dos três 'meninos rabinos' lhe desse razões para uso - escapei sempre, confesso - ou pelas confidências da adolescência, de 'quando era nova, menina', de quando a convidavam para dançar nos bailes, que ela era bonita e não dispensava festas.
Envelheceu. 91 anos fazem dela uma pessoa diferente.
Mas sempre, sempre, a minha avó. Uma figura marcante ao longo de toda a minha vida e que ainda hoje me faz rir quando me quer obrigar a comer ou a calçar uns chinelos para que não me arrefeçam os pés. Também me faz chorar, mas isso não é para hoje...
Faço-lhe aqui esta homenagem, por mais um aniversário. Nasceu em 1915.
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