Divã IV
Trocou o divã pela poltrona porque queria encará-lo. Queria ver como reagia ele às perguntas, às ausências, aos silêncios. Queria ser ela a psicanalista dele, para variar. Olhou de soslaio para os livros à direita, todos mal empilhados mas alinhados por temas... os sonhos, a vida social, as relações matrimoniais, o eu... e outras lombadas onde se perdia enquanto falava sobre o que lhe vinha à cabeça.
- Doutor, eu estou aqui para resolver vários problemas.
- Eu sei.
- Mas é que alguns não são meus, percebe?
- Não. Explique lá isso melhor.
Pousou os olhos no chão de madeira com aquele tapete repisado onde lhe via a ponta dos sapatos que nem se mexiam. Os dela saltitavam, nervosos, ansiosos por caminhos que dali os levassem, não só naquele fim de tarde, mas para sempre.
- Eu acho que se perceber o outro, fico a perceber melhor o meu problema.
- E qual é o seu problema?
- É ele.
- E percebê-lo em quê?
- Porque é que fez o que fez.... sei lá. Percebê-lo, pôr-me no lugar dele...
- Isso não é possível. Você já o deixou pôr-se no seu lugar.
- Ficamos por aqui, hoje?
Juntou os sapatos e pôs-se de pé para sair. Naquele dia nem pagou...
2 comentários:
Não fosse este blog de família e juro que te insultava. Forte e feio.
Ficção. Pura ficção.
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