quarta-feira, maio 31, 2006

Uma boa notícia


"O romance é o único sítio em que dois desconhecidos se podem encontrar na intimidade [o que não acontece nem com a pintura nem com o cinema...]. Porque se trata de uma experiência profundamente pessoal, é uma pessoa a ler as palavras de outra, e essa é a beleza da literatura. Cada leitor leva a história da sua própria vida, da sua própria experiência, para o livro".
Paul Auster, entrevista ao Público em 2 Maio 2005

O escritor norte-americano Paul Auster foi distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias de Literatura, anunciou hoje em Oviedo o júri responsável pela atribuição do galardão.

Silêncio*

Ela queria dizer-lhe tantas coisas que não sabia por onde começar.
Mas também podia não ser nada disso.

[*ou este podia ter sido escrito por mim]

Where

Procurei debaixo do tapete de malmequeres da entrada. Levantei-o e espreitei. Nada. Folhei pacientemente os livros lidos de há um ano para cá. Recibos de consultas médicas, facturas da Fnac, contas do supermercado, cartões de restaurantes. Abri as caixas onde guardo as revistas mais antigas. Pó. Passei à cozinha. Vasculhei as gavetas, abri os armários. Nada. Passei à sala. Dobrei o tapete vermelho. Levantei as almofadas do sofá. Mudei a mesa da televisão de sítio. Despejei o cesto das revistas. Abri as caixas dos CDs. Passei aos DVD. Nada. Acendi um cigarro na esperança que me ajudasse a pensar. Que me inspirasse no flashback que me ajudaria a perceber onde tinha ficado. Esborrachei o cigarro ainda a meio. Ataquei os armários da casa de banho. Revirei a caixa dos medicamentos. Despejei a caixa da maquilhagem. Tirei os cremes para fora. Nada. Entrei no quarto. Desfiz a cama. Tirei as fronhas das almofadas. Abri e fechei as gavetas... sentei-me. Cabeça entre as mãos. [suspiro] Onde foi que me perdi? Amanhã tento a arrecadação!

terça-feira, maio 30, 2006

Coisas que me fazem sorrir [XXI]

Comer pastéis de Belém sentada na relva sob o céu estrelado de Lisboa.

segunda-feira, maio 29, 2006

Eu fui...

E ouvi a Shakira,
e vi quem deslizava no slide,
e ouvi os Guns
e vi como o Axl Rose está gordo
e vi pessoas a estatelar-se na neve,
e fiquei surda com a Tenda Electrónica,
e gostei dos graffitis do Hot Stage,
e passei por cima da relva falsa,
e vi como se comportam 90 mil pessoas num concerto,
e ouvi os Xutos,
e cantei com os Xutos,
e vi uma bola com pessoas lá dentro, de cabeça à roda só pelo prazer
e vi pessoas esquisitas
e vi muitas perucas cor cerise, moda millenium
e vi o decote da Ivete
e também reparei na racha da saia, ousada
e não gostei dos gritos da Pitty
e quase não dei pelos DZRT
e achei os Darkness demasiado pesados,
e vi bandeiras de Portugal
e ouvi falar brasileiro, muito.
e senti o calor dos dias,
o cheiro da erva
as folhas que caíam à beira do vale.

E vi monitores,
telefones,
papéis e mais papéis,
alinhamentos que mudavam à ultima hora,
uma tenda VIP sem vips,
um Palco Mundo iluminado,
uma emissão de nervos à flor da pele
a camara 1
as outras cinco
os pivots
e os repórteres
o nervoso miudinho
as dores de cabeça.

Eu vi uma abertura a rufar,
frouxa,
eu ouvi o Imagine cantado pela já citada Ivete Sangalo.
Eu não cantei.
Eu vi pessoas em tronco nú,
mini-saias ousadas.
caras muito pintadas,
adolescentes na noite.
crianças sem os pais,
roupas justas e sapatos de salto.

Eu fui trabalhar.
e voltarei ao Rock in Rio por mais três dias, à borla, e sem um minuto de descanso.

Divã X

Naquele dia não se deitou. Sentou-se à frente dele, do médico, e desafiou-o com o
olhar.
- Então, perguntou ele, como se sente?
- Bem. E o senhor?
- Com medo desta conversa.
- Óptimo. Estamos finalmente em pé de igualdade.

Tarefa do dia

Descomplicar!

domingo, maio 28, 2006

Coisas que uma mulher tem que ouvir*

Não podemos ir para longe. Vai começar o mundial de futebol!

[Ou não!]

sábado, maio 27, 2006

untitled [2]

Há noites em que os sonhos pesam mais que a realidade dos dias ou como dormir três horas e meia ou como ver o nascer do sol sobre a Cidade ou as desculpas que eu arranjo para estrear o meu brinquedo novo. [bocejo]

Talvez

Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, e eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanham-nos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo - não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descobramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos -, vamos regressar. Para mim, aquelas páginas enfeitiçadas serão sempre as que encontrei entre os corredores do Cemitério dos Livros Esquecidos.

Bea diz que a arte de ler está a morrer muito lentamente, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e que só podemos encontrar nele o que já temos dentro, que ao ler aplicamos a mente e a alma, e que estes são bens cada vez mais escassos.


A Sombra do Vento, Carlos Ruiz Zafón

Talvez seja possível gostar de um homem que não lê os mesmos livros. [Mesmo que esse homem não queira conhecer a história de Julian Caráx. Não se apaixone pela Bea. Não se curve perante o amor do Daniel. Não derrame uma lágrima quando chegar ao fim da história, porque nunca chegará à última página]. Talvez se baixar a guarda e deixar a vida entrar, por todos os sentidos, o amor possa acontecer de outra forma.

sexta-feira, maio 26, 2006

A cor dos dias de Junho...*


[*...em Maio. É esta a imagem que me recebe todas as manhãs.]

Message in a bottle

Imagino-a no escuro do quarto. Luzes apagadas. Rosto encostado no vidro frio. Cá em baixo o barulho do metal contra o asfalto sobressalta um gato que dormita perto. É ele que arrasta a lata de tinta com o pé. Molha o pincel no líquido branco e desenha letras de meio metro no negro do alcatrão. É preciso que ela consiga ler à distância de um quinto andar. Lá do alto, onde ele lhe pressente a presença. Como pressentiu durante as horas em que o telefone tocou sem que houvesse resposta. Ela protegida pelo escuro da noite. Também lá estava quando tocou à porta. O barulho da campainha a ressoar nas paredes manchadas pelas luzes dos candeeiros da rua. Da praceta onde ele vai passando de uma letra à seguinte. Tentou de todas as formas. Escreve porque nenhuma outra resultou. Não tem vergonha das pessoas que passam de carro na madrugada amena de um bairro da capital. As letras gritam no negro do alcatrão. Ele arruma o pincel. Fecha a lata de tinta. Senta-se à berma do passeio e espera. As horas passam vazias. Para ele. Para ela. PERDOA-ME.

[alguém escreveu a letras garrafais a palavra 'perdoa-me' na rotunda ao pé de minha casa. Não sei se a história foi assim, eu gostava que fosse, e espero que ela o perdoe. Algo me diz que só um homem poderia fazer uma coisa destas]

quinta-feira, maio 25, 2006

Vícios

Uma vez por ano deixo metade do ordenado no Parque Eduardo Sétimo. A partir de agora.

Post com dedicatória

"As pessoas deviam ter mais do que uma vida ou, pelo menos, uma que pudesse também andar para trás de vez em quando (...) Mas estarei sossegado, senão feliz, no dia em que os dias se esgotarem? Se só sabendo o fim é que se sabe a história".

Viver todos os dias cansa, Pedro Paixão

Coisas que me fazem sorrir XX

A cumplicidade de perceber que o outro precisa de espaço e respeitar a sua vontade, mesmo quando o nosso instinto nos diz o contrário.

quarta-feira, maio 24, 2006

Divã IX

Acordou sobressaltada.

- Ele veio?

- Quem.

- Esquece. Sonhei que estava à espera de alguém. Adormeci uns minutos...

- Passaste pelas brasas?

- Foi isso.

- E por quem esperavas?

- Não veio.

- Deixa lá. Aqui aconteceu o mesmo.

A plateia já estava levantada a aplaudir a peça 'À Espera de Godot'. Levantaram-se também.

- O Godot não veio?

- Não. Mas a história é mesmo assim. Uma espera inútil e dolorosa até não se saber porque se espera.

- Pode ser que me aconteça o mesmo...

- O quê?

- Perder a noção e esquecer-me que ainda espero.

No dia seguinte contou tudo ao psicanaliasta.

Mulheres



Não andaremos todas à procura do mesmo?

E o Globo vai para...

Pasme-se!

Eu fui aos Globos de Ouro, a cerimónia tipo (?) Hollywood que a SIC transmite anualmente e que permite a saída de muitas fatiotas do baú, criações novas que vão depois direitinhas para o lixo, ou as revistas ofendem-se, se as voltam a ver; cerimónia que deixa que se usem os acessórios mais descabidos, os penteados mais ousados, também os mais ridículos, os tules, as lantejoulas, as fitas, as peles de coelho, as outras peles, os fraques, os laços, as faixas, os chapéus ou as bengalas de enfeitar...

Eu fui.

Mas o meu Globo vai para...

O Bruno Nogueira.



Bem-humorado, giro, tipo sensível sem ser gay como ali representou com o Rui Unas, interessante, discreto.... e, acho eu, namorado da Rueff. Dizem. Não sei.
Mas se for mentira...

Eu preciso mesmo de umas boas risadas.

E o resto é cenário, naquela festa.

Nem por um minuto

Aproximou-se de mim no Inverno. Estávamos a chegar à época do Natal e achei que seria por causa disso... da azáfama que percorre esta quadra. Aliás, creio que a palavra 'azáfama' só se usa mesmo neste período. Não me lembro de ouvir ninguém dizer 'Ando na azáfama da Páscoa', ou até mesmo 'na azáfama do Dia de Corpo de Deus'...

Apanhou-me então nesta azáfama que eu acreditava não estar ainda instalada em mim. Por isso o estranhei.

À medida que os dias avançaram parecia não querer sair do pé de mim. Acordava ao meu lado, deitava-se comigo, perseguia-me durante o trabalho e, até mesmo aos fins-de-semana, lá andava ele, a rondar-me, como quem tem uma presa certa e sabe que não vai largá-la.

Tinha razão. Apanhou-de de vez não sei bem em que dia de Dezembro. Creio que se terá agarrado de noite e, quando acordei, lá estava, vitorioso, orgulhoso, contente por poder acompanhar-me, agora, sem me largar nem por um minuto.

Aceitei-o como pude. Não estava com forças para o despachar à primeira e ali andámos, juntos, até Janeiro, Fevereiro. Atravessámos Março e vimos juntos a Primavera florir. Creio que ele viu mais do que eu. Os meus olhos, já nessa altura se fechavam mais.

Em Abril decidi pô-lo a andar. Refilei, que 'isto não era assim, chegar e abancar', que eu também tinha 'uma palavra a dizer', por aí adiante. Afastou-se ligeiramente, parece-me que até ofendido, mas não deixou de estar à coca.

Em Maio continuamos juntos e ele volta a abraçar-me como nunca.
Este cansaço mata-me. E não sei quando me verei livre dele. Em definitivo.

Paradigma

Já lhe chamei muita coisa. Alguns nomes [muito] feios até. Nunca tinha visto as coisas por este prisma. Preciso urgentemente de mudar de paradigma...

Arrependimento

Ao fim de tantos anos eu já devia saber. Não há pior sensação do que o arrependimento pelo que deixo por fazer. Três semanas antes do prazo e, ainda sem saber se é isto que quero, descubro que mesmo que queira já não há hipótese. Azar!

Aviso

Os Jacarandás já floriram!

PS: Dizem-me que já floriram há duas semanas... pelos vistos estava distraída.

[Aproveito para lamentar a ausência das três meninas que deviam ajudar a encher esta Cidade. Um ano depois da inauguração, este blog volta a entrar na decadência, alimentado apenas pela minha pessoa. Acho mal e só não decreto greve de zelo porque sei que não seria capaz de a cumprir.]

terça-feira, maio 23, 2006

Best off de um ano de 'Cidade'

A fofa da capa by Charlotte

Mito 2 by Miranda

Expensive Affair by Miranda

Abril, sempre? by Miranda

Os meus olhos morreram by Samantha

Ainda os homens by Samantha

Consultório [de graça] by Samantha

Amizade insular by Samantha

Frida de Morte by Samantha

Diva VII by Samantha

Sua excelência, a própria by Rei

Da importância dos malmequeres by R.

[Devia ser um de cada uma de vocês. Quando ultrapassei essa barreira decidi que seriam 10. Saíram 12, com duas participações especiais. Este é o meu best off.]

segunda-feira, maio 22, 2006

Paixões de Verão

Por alguma razão insondável a palavra sexo passou a ser presença constante nas conversas com as minhas amigas. Exemplo? Falo do AM dos Gift e respondem-me 'a mim dá-me vontade de ter sexo' enquanto outra me diz por uma das janelinhas do msn: 'eu agora gosto mais de orgasmos'. Passará quando chegar o Outono?

Segunda-feira

"Deus castiga com reuniões quem não trabalha."

sábado, maio 20, 2006

da Amizade

Não havendo uma medida para a amizade, diria que a mesma é proporção directa do apoio que damos às pessoas de quem gostamos, mas também do amparo que essas mesmas pessoas procuram em nós. Por estes dias percebi que tenho um amigo a menos. Temos pena.

sexta-feira, maio 19, 2006

À meia-noite, no Museu




Entrei pela Praça de São Marcos pelos olhos de um Canaletto do século XVIII. Em Veneza olhei para o lado e pude ver-me rodeada de gente a sério. Não era só naquela praça pintada a óleo sobre tela, mas sim numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, pouco passava das 23 horas. Disse bem: onze da noite.

O Dia Internacional dos Museus tem destas coisas e o MNAA, pela segunda vez, mostra-se até tarde para provar que um museu não tem de ser um espaço de pó e velharias, de histórias inacabadas e cores que escorrem anos que passam. Não. Eu senti-me no centro de um mundo diferente. Àquela hora, eu que decidira ir sozinha à exposição que reúne perto de uma centena de peças da colecção do Doutor Gustav Rau, senti-me no centro da metrópole, e cada um daqueles visitantes parecia falar uma língua diferente. Eram todos portugueses, porém. De todas as idades e, claramente, de várias classes sociais - não digo que não abundavam as mais abastadas, mas essas tinham tantas cores no rosto, como um Monet em toda a tela.

Fiquei feliz naquele ambiente. Não só por ter podido admirar um verdadeiro Canaletto - daqueles que a Sotheby's leiloa a preços que não sei medir - mas também pelos que não conhecia, pelos Monets em fila, pelo El Greco imponente. Sobretudo fiquei feliz porque entrei num museu com vida. Será esse o verdadeideiro impressionismo? A mim impressionou-me e motivou-me a voltar. Eu que até sou mais dada à arte contemporânea gostei de ver as carinhas redondas dos santos, as mãos perfeitas das velhas, as virgens cheias de graça com contornos de mães únicas. Gostei e recomendo.

A colecção foi reunida em 30 anos, mas vê-se em pouco mais de uma hora. Menos, para os que não gostam de fixar-se em pormenores. E depois, o Museu convida a uma visita ao jardim, uma das mais belas vistas da cidade de Lisboa, que esta noite recebia DJs e música eletrónica até às 3 da manhã, mas que em dias normais serve harmoniosos chás e meias de leite ao longo de ensolaradas tardes de arte. Ao natural.

quinta-feira, maio 18, 2006

O mundo ao contrário

Sexo e a Cidade em versão Chiado à hora do almoço. Numa inversão completa de papéis, uma conversa, no meio de cabides de roupa e sapatos, entre uma mulher linda que se sente ‘amada’ de menos e outra que se sente sufocar em atenção. Baralha-me a capacidade da vida [ou serei eu própria?] me surpreender, nem sempre pela positiva.

terça-feira, maio 16, 2006

Any guy will do on a BBC interview


A história é hilariante e não resisto a partilhá-la.
Guy Goma, recém licenciado, natural do Congo e de inglês macarrónico vai a uma entrevista na BBC para um emprego de técnico de bases de dados.
No mesmo dia Guy kewney, especialista em tecnologias de informação, é convidado a dar uma entrevista em directo acerca do processo de direitos de autor dos Beatles que envolve a Apple Computers.
Alguém se enganou e Guy Goma acaba em directo na qualidade de especialista. Mas como pensou que se tratava de um teste no ãmbito da entrevista de emprego, não se descaiu. E respondeu a todas as questões que não foram muitas porque a jornalista logo percebeu que aquilo não estava a correr bem, ainda para mais porque o inglês dele era macarrónico. "Não desistas, não desistas". As imagens mostram as expressões de espanto e pânico que o assolam durante a entrevista. "Não desistas", foi o que Guy Gona pensou e confessou mais tarde. O importante é conseguir o emprego. O verdadeiro especialista assistiu a tudo na sala de espera, estupefacto. E não achou muita piada.
A BBC reconheceu o erro e nos ultimos dias transformou-o num verdadeiro golpe de marketing. Colocou um video da entrevista online e levou aos estúdios os dois protagonistas que contaram em directo como é que se sentiram. O tema fez furor na imprensa internacional. "Any guy will do on a BBC interview" é o título do jornal canadiano Toronto Star. Em poucos dias, mais de 140 mil pessoas já foram ao website da BBC ver o vídeo. Perdão, 141 mil.

Acção purificante*

A indústria de cosméticos bem pode investir em I&D que nunca encontrará melhor exfoliante do que uma barba por fazer.

[* Ou este podia ter sido escrito por mim.]

segunda-feira, maio 15, 2006

Divã VIII

- Está muito calada, hoje.

- sim, e não é benéfico para mim...

- Então?

- Pago na mesma...

- Paga. À partida paga... mas podemos negociar isto para a semana se preferir adiar o pagamento. Paga duas, em vez de uma consulta.

- E tenho mais tempo para a semana?

- Não.

- Como não?

- Eu não a retenho cá durante uma hora nem a despacho depois disso por mero acaso. O tempo é um bem precioso e temos de saber distribui-lo, ao longo do dia. Você escolheu vir cá, uma hora por semana. Se calhar, amanhã vai querer falar comigo, aqui, e não vai poder. E hoje está calada. Não está a saber gerir o seu tempo...

- É que passei parte do dia a pensar no que vinha dizer-lhe...

- Para quê?

- Para chegar, dizer e ir-me embora, sem mais tempo a perder...

- E está a conseguir?

- Não.

- Imagina porquê?

- Não...

- O tempo que passa a pensar em si não é tempo perdido. Pense em si todos os dias, a todas as horas, se for preciso. Não me importa que corra para me dizer o que a traz cá. Mas preocupo-me se perde a vontade de fazê-lo, quando já subiu a este 12º andar.

A referência mudou-lhe a atitude.
Começou a falar para o ar, quase ao acaso. Naquele dia lembrava-se de um episódio passado num prédio muito alto, quando teve de pensar numa solução para subir - ou não - trinta e tal andares, porque os elevadores estavam avariados. Pensou, em cada piso, que eles ficariam bons, e que entraria num um pouco mais acima. Mas chegou lá estafada, sempre a pé. Os homens só podiam fazer a manutenção ao amanhecer... e aí era tarde demais.

Nesse dia desceu pelas escadas, e saiu do consultório a pensar nisso. A lua estava comida, alta. Mas precisou de demorar-se para pensar nela mais um bocadinho...

domingo, maio 14, 2006

untitled

Há noites em que os sonhos pesam mais que a realidade dos dias.

sábado, maio 13, 2006

A Serra

É o cheiro das noites quentes de Verão. O rio da minha adolescência. O céu estrelado. A lua. Cerejeiras carregadas. Comer fruta das árvores. Banhos de piscina às onze da noite. Adormecer com o ladrar dos cães. Acordar com o cantar dos pássaros. Andar de baloiço. Dormir ao relento. Amores de Verão. Livros lidos ao sabor de cervejas. Pés descalços enterrados na relva. Alface acabada de apanhar. O grasnar dos patos. Gargalhadas. Despedidas. Adormecer ao sol. Acordar cedo. O cheiro da relva acabada de regar. Conversas em surdina pela noite dentro. Caminhadas. Malmequeres. Estradas sinuosas. O vale com o rio ao fundo. O pelourinho. Uma espreguiçadeira na varanda. Subir a árvores. O verde. O amarelo das Primaveras. Pólen. O carvalho velho. Mimo. Almoços tardios. O silêncio.

O Café da minha rua

O café da minha rua fica no alto de um monte, virado a nascente, também a poente, estando sempre quente e iluminado. Tudo à volta é relvado e bonito e as árvores e flores estão cuidadas. O café da minha rua fica a uns míseros 100 metros da minha porta e permite-me, agora, passar por lá todas as manhãs para um Pequeno-Almoço que me modifica o dia.

Mas ao sábado - apesar de vender o 'Expresso' - o café da minha rua tranforma-se e sinto-me noutra rua qualquer. Entram e saem os meninos e meninas, roupas de marcas que variam entre a 'Timberland' e a 'Lacoste', cores garridas nas mães, óculos escuros nos pais, ar de fim-de-semana na família aparentemente feliz.

Ao sábado as famílias juntam-se, no café da minha rua. São novas famílias, alguns novos-ricos que ainda não sabem sê-lo e acreditam que as letras garrafais de 'Sacoor' nas costas são mais que pura propaganda a um homem, uma marca da moda que se fez mostrar assim mesmo... no corpo dos outros, exibindo o logotipo.

Ainda hoje reparei numa família: ela, a mãe, vinha atrás de um pai já barrigudinho, mas de marca, com três crianças lindas; eles vestidos de igual, dois, ela, de rosa e branco acabada de sair do banho. Dois foram brincar com os cães que também acompanhava a família, de raça, claro, e que também fazem necessidades, claro. Na relva aparada do café da minha rua...

Ela era uma mulher ainda bonita, rabo bem desenhado, peito saliente e um decote generoso numa roupa discreta, que é como quem diz, sem marcas à vista. Ela é que fez o pedido. Dois galões escuros. Não ouvi o 'por favor'. Os miúdos ficaram lá fora e ela não olhou mais para eles. Um deles, mais tímido, veio agarrrar-se ao pai vestido de azul-bebé, pólo de fim-de-semana, calças de ganga e sapatos de vela. Ele beijou-o carinhosamente mas pouco olhou para ela, para a mãe. Rondavam os 40, ainda curtos, acabados de chegar a ambos. Os filhos teriam, no máximo, 10 anos.

E eu fiquei a pensar se queria ter um família assim... Colorida, com marca, com crianças bonitas, com dinheiro à vista, com um ar pouco feliz.

Certo é que segunda-feira volto ao café da minha rua para o meu galão claro. Eles vão todos trabalhar cedo e as crianças têm de estar antes das 8h na escola.

Da imprevisibilidade das borboletas

Dizer que tinha deixado de acreditar será talvez um pouco exagerado. Dizer que estava distraída pode servir de desculpa, mas sei que lhes barrei a entrada. Céptica de que da diferença pudesse nascer alguma coisa. Mas as borboletas são assim. Surgem do nada. Quando nos apanham distraídas. Será mesmo a imprevisibilidade que lhes dá as cores mais garridas. Que as fazem voar mais alto numa dança sentida. Com sentido.

Frida 'de morte'


Uma mulher que nasce com o nome de Frida terá sempre uma vida infeliz, repleta de amarguras e dores. A de Frida Kahlo foi assim. Imortalizada pela própria e por um admirador das suas torturas na tela - com quem chegou a casar - morta à nascença porque nada chegou a brotar de um corpo sempre em gritos, sempre em sufoco, sempre quebrado, sempre anormal, sempre diferente.

Fui ver a exposição de Frida Kalho que está prestes a chegar ao fim, no CCB. Mais uma vez com a Carrie. Depois de tudo o que vimos, pensámos: 'Depressão? qual depressão????'. É que depressão e profunda teria Frida Kalho, não nós e os nossos amigos que por tudo se angustiam e vão abaixo, simples mortais, com vidas razoáveis e a possibilidade de visitar exposições sem pagar um tostão.

Frida começou a sofrer quando, ainda miúda, a mãe voltou a engravidar e foi mandada para uma ama que, não sabemos, a terá tratado bem ou mal. Mas a mãe passou a ser outra, para Frida e aos 3 anos ela já sofria de poliomielite - segundo a wikipédia, 'A transmissão do poliovírus "selvagem" pode dar-se de pessoa a pessoa através de contato fecal - oral, o que é crítico em situações onde as condições sanitárias e de higiene são inadequadas. Crianças de baixa idade, ainda sem hábitos de higiene desenvolvidos, estão particularmente sob risco'.

O estado avançado da doença retirou-lhe parte da mobilidade, deixando de parte a postura enfeitada que gostava e ter - brincos, e colares, anéis em todos os dedos - e oferecendo-lhe uma uma perna maior do que a outra...

Tinha pouco mais e 20 anos quando um acidente num autocarro a deixou para sempre transformada, dependente, coluna partida como se auto-representa sempre em sofrimento para os que vêem, mas sem um único olhar, esgar, tremor de rosto que façar crer, a quem olha, que ela também sofreu. Não. Ela terá reagido a tudo isto, à barra de ferro que lhe trespassou a bacia, aos múltiplos abortos que daí resultaram, e a um marido que afinal dormia com a irmã dela. Uma vida curta e acamada. Frida de morte.

Frida pintou retratos mas, sobretudo, pintou-se. Imaginou-se e reflectiu-se em vários quadros que nem sequer a beneficiavam. Até buço Frida pintava em si própria. Porque o tinha. Ela que não queria ser surrealista porque apenas pintava a realidade, ela que se auto-retratava, porque era o mundo que melhor conhecia, ela que nascera em 1907, mas que insistia ter sido em 1910, por ser ano de Revolução, no México.

Frida escreveu um diário com letras emaranhadas, cores misturadas, desenhos e pinturas a monte, frases soltas e quase nada do que passava no dia-a-dia. Não falava sobre o hoje porque, pareceu-me, todos os dias lhe foram iguais. À espera do último e do fim de um sofrimento permanenente. Morreu de embolia pulmonar, ainda sem ter chegado aos 50 anos. Pintou pouco mais de 200 quadros, mas tornou-se num mito.

Um exemplo, ou mais uma oportunidade para olhar para o lado e assobiar?

sexta-feira, maio 12, 2006

MI3


Saí da sala há menos de uma hora. Precisava de um filme que não me fizesse pensar, que não me fizesse chorar, que não me fizesse rir às gargalhadas, que apenas me ajudasse a passar o tempo e fazer do tempo mais do que duas horas em vão. Escolhemos, eu e a Carrie, o 'Missão Impossível 3'. Já nas salas.

Não se espere ouvir dizer - ou ler, neste caso - que duas meninas tontas, trintonas sem saberem onde cair mortas, à procura de resquícios de uma felicidade perdida com a juventude 'mais nova' - não se espere que foram à procura desse homem que tantas caras faz virar - e não estamos a falar com socos, porque também as vira assim - tantos suspiros inspira, tantos corações faz bater. Não. Não fomos apenas pelo Tom Cruise, não senhora.

Fomos também por ele. Pelo actor, Tom Cruise.

E concluímos que está cada vez melhor! À medida que envelhece. E isso dá-nos esperança, até quando olhamos para o lado e vemos que tipo de homem nos calhou - se já calhou. Talvez aos 40 (ou mais, acreditemos nisso) esse, que nos acompanha, tenha ainda um sorriso lindo, um olhar sensual, um corpo firme, uma voz digna de dizer o que quer que seja... Voltando ao Tom, o que gosto mais nele, é o facto de ser um bom actor!!!

Este MI não é igual aos outros. Como seria de esperar... Lá estão as mesmas impossibilidades, os mesmos salvamentos, as mesmas passagens por debaixo de camiões, os múltiplos inimigos, as mensagens que se desfazem em segundos... os voos picados, os helicópteros que rebentam no ar, as armas de todo o tipo, a tecnologia de ponta... mas este MI fala de Amor. A sério! Acaba tudo em bem por causa do amor.

Este já não é um Cruise mulherengo, tipo 007, já não é um Ethan sempre com uma bonitona ao lado, já não é um homem livre que só vive para o trabalho e aproveita-se dele para conquistar mais uma diva - dessas que nascem nos EUA ninguém sabe bem onde...

Não. Este Tom Cruise - talvez tentado por aquela religião que o faz acreditar sabe Deus em quê - é um homem a fazer família, chega a casar. Ama, e por amor, salva. E salva-se.

Tudo bem... podem ir ver O Tigre e a Neve ou a Maria Madalena, ou ainda a Lassie ou um filme que esteja ainda no King... mas se quiserem passar duas horas sem grandes precoupações e com muitos planos apertados da cara do rapaz, este é o filme a ver!

E não há missões impossíveis. Acreditemos nisso. Lá está, até 'moral da história' existe...

ai, ai...

quinta-feira, maio 11, 2006

Silêncio

Dois sete um dois zero zero quatro oito sete. Antes, quando ainda não existiam telemóveis, e os algarismos eram gravados a tinta em folhas de papel, sabia tudo o que era números de telefone. Dava menos trabalho do que procurar a agenda, procurar o nome, procurar o número. Agora contam-se pelos dedos das mãos os que têm o privilégio de me ficar gravados na memória. Há aqueles, como o da Charlotte, que sei por o mesmo há anos, os outros, como o da Miranda, que são fáceis de decorar pela repetição, e os que, como o da Samantha, ficam por serem marcados e remarcados no telefone do pasquim. Há ainda aquele[s] que decorei sem saber porque, sem saber sequer que tinha decorado. Que apaguei da memória do telefone, mas que insistiu em ficar colado na caixinha verde alface. E depois há o dois sete um dois zero zero quatro oito sete que memorizei por necessidade. Marcado até à exaustão desde ontem à tarde. Remarcado sem que do outro lado venham notícias. Boas ou más. Apenas um toque persistente. O silêncio.

Divã VII

Estava com medo do decote que trazia no corpo. Nem se lembrara que era dia de divã. E ficaria virada para ele, mesmo em posição de ficar com o peito - saliente e bonito - que o tinha - ao alcance dos seus olhos.
Desejou que a consulta não se fizesse. Mas perdeu a vergonha e deitou-se.

- Então como vai?
- Bem, o costume...
- O costume quer dizer o quê?
- Quer dizer que não é bem, mas também não sei porque é que é mal...
- Pois, temos de ver isso...

Ver. O verbo assustou-a e ajeitou-se no divã. Cruzou as pernas pelos tornozelos e pôs as mãos sobre a barriga.

- Então e não consegue uma pista? Respire fundo, encha o peito de ar e descanse, relaxe....

Pânico. Ele estava a ver tudo.

- Não é preciso Doutor, acho que hoje nem precisava de cá ter vindo.
- Estas consultas são semanais. Sabe que falhar uma é enfraquecer o tratamento.
- Sei.

Desatou a falar. Decidiu falar dos medos que a percorriam de noite, antes de adormecer, dos que a acompanhavam de dia, mal saía da cama, dos que estavam com ela em toda a parte. Só não referiu o medo do decote.

- Não acha que são demasiados medos? E alguns sem razão de ser?
- Não - quase gritou.
- Sabe, na minha condição mão devemos partilhar nada com os doentes. Mas eu também tenho um forte medo, que me acompanha de dia como se fosse noite.

Virou-se um bocadinho no divã...

- Fui operado esta semana aos olhos - deve ter reparado nestes meus óculos ridículos - (não, ela nem tinha olhado para a acara dele só para a semana saberei se volto ou não a ver, na totalidade. Para já, estou cego de todo.

Suspirou.
- E está a dar consultas?

- Claro. Cabe-me conhecer e ver interiores. O de cada doente que aqui passa. Nunca reparo, sequer, no que trazem vestido, a menos que venham tão desmazelados que seja sinal de falhas no tratamento...

- Bom Doutor, informo-o que não estou mal vestida. - Olhou para o relógio - Volto para a semana de forma a poder contar-lhe como estou afinal, por dentro. As melhoras...

- Vamos ver..., disse ele apertando-lhe a mão.
E riu-se com a piada.

Chiado

Estacionou o carro num lugar de sorte. Sem parquímetro, via-verde, ou parque subterrâneo 'aberto até às 4 da manhã'. Não precisava. Eram pouco mais de três da tarde e o sol iluminava os edifícios mais altos do Chiado. Eram poucos, por isso a luz vinha até cá abaixo, às ruas estreitas de calçada às vezes negra onde só os carros a passar já fazem o barulho necessário para aquela hora. Mas há por ali o metro. E também se ouve. Já se tinha habituado à trepidação. Sempre acordava dos pensamentos daquele início de tarde...

Pôs pés ao caminho com destino aos melhores gelados do mundo - assim pensava ela - e ficou descansada quando viu que havia lugares vagos na Häggen Dazz. Não era fim-de-semana, mas não sabia a quantas andava. Debaixo do braço, um livro, e na mente um pedido: um crepe de strawberry cheesecake. Ah, e um batido de chocolate, se faz favor.

O serviço foi rápido e nem lhe permitiu avançar muitas páginas naquele livro que fala de locuras num canto que é de Nova Iorque. Era lá que sonhava estar, pés descalços na relva de Central Park, olhar no céu, preso no topo dos edifícios, maiores que aqueles, do Chiado, mas nem sempre mais bonitos. Porém, parecem voar como se estivessemos numa base da NASA à espera da contagem decrescente...

Pareceu-lhe que, no que respeita aos transeuntes, o Chiado lisboeta é tal e qual os bairros cultos e chiques de Manhattan, aqueles onde se gravam as cenas de séries como o Sexo e a Cidade, onde as montras parecem lindas, sendo antigas e tradicionais, onde a moda é da requintada mas também pode ser barata; onde as pessoas são como são e ninguém se importa. Ali, na cabeça dela, cruzavam-se a Rua Garrett com a 5ª Avenida.

Foi com estes pensamentos que saiu da loja de gelados, barriga cheia, alma vazia, e deu com uma das mais bonitas igrejas de Lisboa, agora recuperada. Entrou no momento em que o sacerdote dizia 'Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe'! Preferiu ficar. Sentou-se na última fila de bancos e pousou a cabeça no peito. No seu próprio peito porque ao lado não havia um ombro. Fechou os olhos e imaginou um apoio vindo de cima. Suplicou por Ele. Que ela, diferente do que já fora, recebesse ali - naquele porto onde amontoava a gente diferente - a benção dos que ousam mudar. Ela também queria mudar. E pediu-Lhe que a ajudasse a fazê-lo.

Nesse dia já tinha ido cortar o cabelo, corte moderno, despenteado, e as unhas trazia-as vermelhas - confundiam-se com as cerejas que roubara, por bem, na mercearia de um bairro vizinho. Mas a mudança que pediu foi outra. A do espelho não mudava o olhar, nem tirava dela um único sorriso.

A tarde estava a cair e uma mulher sem pressa também não costuma estar feliz. Saiu passo a passo e ignorou o pedinte à porta, como ignorou todos os outros, os que metiam fogo pela boca, os que faziam rir os turistas, os que cheiravam mal por serem excêntricos, os que não tomavam banho porque esse lado sujo e desarranjado faz parte de um papel. Ignorou-os a todos. Mas teria reparado neles, se não estivesse a pensar no que não devia.

Ali, em pleno Chiado, onde tudo se quer diferente, ela estava igual, naquele fim de tarde.

E foi para casa. Teria sido em vão, a viagem?

quarta-feira, maio 10, 2006

Coisas que me fazem sorrir 20

Depois de um dia ‘negro’, com os nervos à flor da pele, é bom saber que há coisas que me fazem sorrir. Um ‘sim’ dito com convicção, ainda antes de eu ter terminado a pergunta, não fosse arrepender-me do que dizia. A promessa de não levar à letra tudo o que digo.

um um dois

E, de repente, quando estava preocupada em provar o quão errada está a minha própria teoria – testada nas caixas comentários desta Cidade, que enchem ao mais ligeiro odor de “sangue, suor e guerra” – de que os [meus] textos mais sofríveis são escritos em dias de ‘temporal’, com nuvens negras a pairar[-me] sobre a cabeça, quando quero provar [a mim própria] que consigo escrever quando estou feliz... e, de repente, dizia eu, tocam as campainhas de alarme e entra a sô dona insónia. Podia ter telefonado a avisar que vinha. Tinha preparado um chá, acendido as velas, tinha-me instalado no tapete vermelho, com os cigarros de um lado, o chocolate do outro. Sempre a tinha recebido com alguma comodidade. Não se faz, chegar assim de repente sem sequer bater à porta, sem limpar os pés e deixar esparramadas no tapete de malmequeres da entrada as dúvidas que até há coisa de minutos eu ia jurar que não entravam nesta história. Porque pela primeira vez em muito tempo não há razões para receios. Porque por mais voltas que dê não encontro desculpas para temores nocturno. A sô dona insónia chega sempre devidamente escoltada. Mas bem que podia trazer outra companhia. O sr medo é um gajo demasiado prepotente para que o deixe entrar assim sem mais nem menos. Barrei-lhe a entrada e pedi-lhe satisfações. Quis que me explicasse por 'a mais b' porque vinha agora. Fez orelhas moucas e esquivou-se pela frincha junto às dobradiças. Agora está confortavelmente instalado na almofada de penas, atravessado na cama, sem deixar sequer um espacinho. Pergunto-me que raio vou agora fazer com ele. Tentei ligar para o 112. Toca-toca-toca...

[Há falta de 112 tenho um anjo schizo...]

terça-feira, maio 09, 2006

As primeiras cerejas chegaram ontem na ‘carreira’


[Tenho poucas memórias do tempo em que cheguei. A mais presente é da casa velha. Uma casa grande construída em pedra, janelas brancas de guilhotina. Sei agora que era dos meus olhos, ou de não passar de um pedaço de gente. A casa era uma casa banal. Lembro-me do carvalho velho. Naquela altura, nos meus passos de menina, ir ao carvalho velho apanhar lenha era a aventura do dia. Apanhávamos, eu e a A., pequenos ramos que encontrávamos caídos no chão. Queríamos imitar a minha avó, fazer molhos de lenha atados com um baraço que depois tentávamos equilibrar sobre a cabeça. Lembro-me do caminho de terra batida por onde os meus pais chegavam de tempos a tempos. O caminho que começava à porta da avó B. – dela só me lembro que era muito velha, morreu aos 92, se a memória, também aqui, não me atraiçoa, e de passar os dias na varanda de casa a gritar com toda a gente, morreu aos 92 anos sem muito juízo – e que tinha a meio a mais deliciosa das árvores. Uma cerejeira que na Primavera se enchia de pequenos pontos, primeiro brancos, depois rosa, e por fim bolas vermelho-sangue. Lembro-me de o meu avô me subir para a cerejeira. De pendurar cerejas no cabelo. De comer até ficar enjoada. Ainda hoje é assim. A cerejeira já não existe. Mas na Serra estão desde o ano passado três árvores onde passo horas empoleirada. As primeiras cerejas da Serra chegaram ontem na ‘carreira’. Ainda não pintam os lábios. Não estalam entre os dentes, roliças e carnudas, como só quebram as cerejas da Serra. Mas trazem a promessa de muitas horas bem passadas. De comer até ficar enjoada. Duas-para-a-boca-uma-para-o-balde-duas-para-a-boca-uma-para-o…]

segunda-feira, maio 08, 2006

Porque sim...*

Quando é que começaste a invadir-me? Acho que desde o primeiro dia, naquele café claustrofóbico em que a exiguidade do espaço rivalizava com o peso da história. Frente a frente numa mesa que nos mantinha muito próximos. Demasiado próximos. Eu sem coragem de te olhar nos olhos, esses olhos de um castanho doce como avelãs onde, sabia já, acabaria por me perder. Eu, de mãos entrelaçadas sobre o tampo de mármore frio, a direita sobre a esquerda, fazendo rodar no dedo o anel, com medo que me olhasses nos olhos. Acho que já nessa altura sabia que eles acabariam por me trair. Lembras-te como mais tarde me disseste que não consigo esconder o que sinto? Falei de rajada entre o fumo azulado dos cigarros, convencida que te diria o suficiente para te levar para longe. Ficaste. Falaste de ti, de mim. Só faltou o ‘nós’. Um ‘nós’ que ninguém acreditava viesse a existir. Não podia acontecer. Era fruto proibido. Procuraste as minhas mãos, e como eu as afastasse, passaste os dedos pelo meu braço nu e agora, agora, era eu quem queria fugir, levantar-me sem olhar para trás. Mas era tarde para sair de cena, como era tarde para prolongarmos aquela conversa que de última se transformou na primeira de muitas. Era tarde e a vida esperava-nos lá fora. Sei hoje que foi a nossa despedida mais difícil. Queria prolongar aquele momento indefinidamente. Mandar às urtigas a vida, a minha, a tua, a dos outros. Os meus lábios a roçagar a tua cara num beijo tímido de ‘até já’. Foi a primeira vez que senti o teu cheiro, um cheiro que durante muito tempo trouxe colado à pele. Que me fez virar a cara na rua mesmo sabendo que não eras tu, que não era o teu cheiro, porque esse estava na mesma cabeça, nos meus sentidos. Um cheiro que me fez querer enterrar a cara na curva do teu pescoço, envolver-te num abraço e ficar. Simplesmente ficar. Soube então que parte de mim já não me pertencia. Era território ocupado.

[ou repetição por motivos nada técnicos]

sábado, maio 06, 2006

Pergunta retórica

O que fazer quando as nossas próprias regras deixam uma ligeira sensação de desconforto? Quando aquilo que, ontem, parecia a melhor, se não mesmo a única, forma de agir nos deixa um travo amargo na boca? Esperar que passe? Ou dizer tudo para que não haja arrependimentos pelo que fica por fazer?

sexta-feira, maio 05, 2006

Eu e ele


[Desde ontem que só me consigo imaginar ao volante deste... Eu e ele. Eu, de sorriso rasgado, a ouvir Maria Rita com o volume no máximo. Os cigarros no banco do pendura. O telemóvel desligado enquanto conduzo sem destino, ou na direcção do mar, durante horas seguidas. Há poucos prazeres maiores do que o de conduzir. Sozinha. São momentos de reflexão e de alienação ao mesmo tempo. Horas em que não penso em nada. Em que me deixo hipnotizar pela paisagem que passa a 150 km/hora do lado de fora da janela aberta. Horas em que penso em tudo. No que fiz. No que disse. Em que me arrependo pelo que deixei por fazer. Em que sorrio sozinha enquanto antevejo a chegada. Enquanto brinco com a caixa de velocidades. Deixo o conta-quilómetros cair devagarinho e prolongo ao máximo aquelas horas comigo. Enquanto antevejo a próxima partida. Desde ontem que só me consigo imaginar ao volante deste... Eu e ele. Com a certeza que os almoços à beira mar vão saber muito melhores.]

quarta-feira, maio 03, 2006

Finalmente sinais de sexo, neste blog... IV*

C: Vou propor ao M. que crie uma sala de fumo para homens e outra para mulheres.
D: Estás a propor uma divisão por sexos?
C: Sim, numa sala há sexo e na outra não.

* ou a alegria no trabalho graças a nossa estagiária.

Adeus

Faz-se o luto que se pode. Chora-se, num lamento sem lágrimas, a morte de um sonho que nunca chegou a ser. Apela-se ao sol que reflecte no amarelo do prédio em frente. Aspira-se o ar frio que sobe do rio. Espera-se que os jacarandás voltem a florir. Acredita-se que a tristeza não vai voltar nunca.

terça-feira, maio 02, 2006

Junk food

Esta tinha que vir dos Estados Unidos. A "Pública" de dia 30/04 traz um artigo sobre os freegan, um movimento da sociedade civil norte-americana contra o exesso de consumo e o desperdício. Partilho a intenção, quanto à intervenção estou mais reticente...
No artigo, a grande cruzada dos freegans é protagonizada por uma executiva de topo e uma das maiores 500 empresa da "Fortune". Madeline Nelson - e mais alguns gestores bem colocados - descobriu que pode encontrar nos caixostes de lixo comida suficiente para alimentar a família. Por isso, quando sai do emprego passa o resto da tarde a vasculhar caixotes, em particular aqueles que se situam nas traseiras de restaurantes e supermercados. "Diria que 90% do que como provém do lixo. E não são restos - cozinho refeições completas para a família", diz Madeline. De acordo com esta executiva, não está em causa a necessidade, mas tão apenas a constatação do desperdício e o alerta para uma sociedade cada vez mais de consumo imediato. "Não temos de ser pobres para comer esta comida que é deitada fora. Nenhum de nós devia ser tão orgulhoso que não pudesse comer isto. E acho que alguém da classe média alta comer isto e depois dar o dinheiro que poupa aos pobres transmite uma mensagem importante ás pessoas", remata.
O meu grau de consciência social está solidário, mas ainda não atingiu esse ponto de "abnegação".
Lembrei-me a propósito dos freegans de uma loja de artigos para bebé em segunda mão que abriu em Telheiras há uns anos. O projecto era óbvio: itens como carrinhos e porta-bebés são caros e usados durante apenas alguns meses. Por isso, a ideia passava por revendê-los, desde que em bom estado. No dia em que visitei a loja encontrei alguns clientes, de aperência média alta. Não os suficientes para que o negócio vingasse. É que em Portugal as pessoas, em especial a vasta classe média, tem um preconceito contra artigos usados, explicou-me a proprietária da loja. Como se a aquisição dos mesmos fosse, de alguma forma, um sinal de poder de compra enfraquecido. Só assim se percebe que, ao contrário da maioria dos países europeus, existam tão poucas lojas em segunda mão em Portugal. É que convém manter as aparências, mesmo que a crédito.

(mais informações em www.freegan.info)

segunda-feira, maio 01, 2006

Freud

E quem é que nunca experimentou a psicanálise 150 anos depois?

Eu preciso de um divã!

Laramie

Acho que todos concordamos que os Estados Unidos são tão diferentes entre si e tão diferentes do que vemos - do que nos é dado a ver - nos filmes que, dizermos que são Unidos, é apenas uma tradição.

Ontem fui ver uma peça de teatro que demonstra isso mesmo. 'Laramie' é uma encenação de Diogo Infante - que não chegou a mostrar-se, uma pena! - no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

Laramie é o nome de uma terra no Estado do Wyoming. Foi lá que um acontecimento real deu origem a esta peça. Um rapaz de pouco mais de 20 anos foi raptado, torturado e espancado, acusado de ser... homossexual. A coisa está muito bem contada, com pormenores até arrepiantes, sem nunca ser sensacionalista.

No palco estão 8 ou 9 actores - eles desdobram-se em várias personagens - que representam o bom e o mau da fita, a vítima e o culpado, o médico e a polícia; todos os que, depois de um crime, foram chamados a actuar e todos os que - como sempre que há um crime - aparecem sem ninguém os ter chamado. Era uma localidade pequena, Laramie. Todos se conheciam...

Além do maravilhoso jogo de luzes e da óptima interpretração de todos - e todos mesmo - os actores, houve duas coisas em Laramie que me fizeram pensar:

- O tema, em si. Eu, que tenho amigos - e bons amigos - homossexuais, que não tenho quaisquer tipo de comportamentos contra a opção sexual de cada um, eu que até converso com eles sobre o assunto, o último namorado, a última ida ao Trumps, etc... seria eu capaz de aceitar um filho\filha homossexual, um dia em minha casa? Esta é uma das questões que se põe no palco. A um público portuguguês: É que nós, portugueses, temos esta mania de ser o povo pacato que acha que todos são iguais, e que não se importa com as difrenças dos demais, usa autocolantes e pins, aceita-as - diz à boca cheia - mas, na hora da verdade...

- a segunda coisa que me surpreeendeu foi o público naquela tarde de domingo, 17 horas, para ser mais precisa. Talvez eu e a minha amiga R. fossemos as mais novas naquela sala. E eu há muito passei dos 30!!! Eram os maiores de 60 que ali estavam! Que falavam de outras idas ao teatro como quem nada mais faz na vida senão cultivar-se, que usam os seus melhores fatos para ir à salas, pois se estamos ali tão perto da Av. de Roma... e o teatro é uma arte maior! Eram eles que ali estavam a ouvir, dos actores, expressões como paneleiros, e putas e caralho. Sem pestanejar.

Foram eles os primeiros a pôr-se de pé para aplaudir uma peça muito bem feita.

Preconceitos?
Só os meus!