sexta-feira, julho 28, 2006

Adultério [II]

Querida Júlia,
É verdade, sou adúltero, o que se há-de fazer? Sou adúltero como outros são coxos ou míopes; quero dizer, é uma coisa que foge ao meu controlo. Sinto muito. Talvez não acredites, mas se existisse um remédio ou uma cura para isto eu submeter-me-ia com todo o prazer. O adultério, ainda que dê muitas satisfações, acaba por ser esgotante, porque obriga as pessoas a viverem num estado de vigilância permanente.

De qualquer maneira, o que mais me surpreende quando recordo a nossa história é que me abandonaste pela mesma razão por que tinhas ficado comigo: por ser adúltero. [...]

Digo-te isto tudo porque estou a pensar em casar-me novamente com a minha actual companheira, a médica legista, pois gostamos muito um do outro e queremos formalizar a situação. Ou seja, tenho em perspectiva um casamento estável, sólido e, portanto, uma situação excepcional para me dedicar ao cultivo da paixão adúltera. O que queria propor-te é que a compartilhasses comigo, aceitando finalmente que se trata de uma relação sem horizonte, como a própria vida, mas, também como a vida, imprevisível e grandiosa. Se estiveres de acordo, escreve-me para o apartado dos correios que te indico no envelope, e negociamos.


Contos de Adúlteros Desorientados, Juan José Millás

2 comentários:

ffidalgo disse...

Eheh. Que coerência!
Boa viagem.

ana disse...

muito bom!
há poucas ofertas tão honestas como esta!