quarta-feira, agosto 30, 2006

O Panda Gigante

Não sossegou a noite inteira porque a constipação não a deixou respirar. Ofegante, virava-se de um lado para o outro, à procura de uma postura melhor, uma forma de estar, uma forma de aguentar aquelas dores no corpo e na cabeça. Tinha bebido um chá quente, de camomila, com mel. Preparado por ele e levado à cama com um comprimido para aquela agonia. Tinha tomado um banho quente e as mãos dele tinham-lhe passado nas costas, uma mão de esponja, que acalma, que serena, que a deixou de cabelos penteados, molhados, até sair da banheira.

Era a primeira vez que tomavam conta dela. Assim, quase por nada, uma constipação normal, coisa de crianças, uma febre a esticar mas sem fazer mossas maiores; uma dor nos olhos que quase não a deixava ver. Mas se os abria, lá estava ele, naquele corpo grande e denso, naquele peito cheio de pêlos - que não a incomodavam nada - naquele cabelo já com entradas a deixar antever uma idade mais avançada, uma responsabilidade maior, uma preocupação familiar. Só o bigode lhe desagradava. Queria que ele o cortasse, mas não discutiam por isso. Pica, dizia ela às vezes. Ele ria-se. Sim, picava, isso sabia ele. Mas há tantos anos que picava porque seria agora hora de mudar? Porque está branco, dizia-lhe ela. Ele voltava a rir e chamava-lhe coelha. Era por causa dos dentes.

Adormeceu de cabeça inclinada, no ombro dele, e com as mãos que lhe acariciavam a cabeça. Já tinha posto as gotas que lhe permitiam quatro horas de respiração, não mais do que isso. Ele não pregou olho. Ficou ali a olhar para ela, à espera de um menor sinal de dor ou desconforto. Ela acordou de repente e deu com os olhos abertos dele, ali à frente. Beijou-lhe o bigode e voltou a tomar um comprimido. Ele levantou-se para lhe trazer a água e continuou a resistir, por ela.

Não dormes?
Sim, tenho estado a descansar.
Mentiroso.

E voltou a agarrar-se àquela espécie de panda gigante que naquela noite a envolvia em pelo fino. Não teve frio, com ele ao lado, não teve medo, e não se assustou quando, mais tarde, voltou a abrir os olhos cada vez mais congestionados. Era quase manhã. No dia seguinte ele ia trabalhar mas estava ali, residente, persistente, apaixonado.

Ela queria estar melhor. Mas a doença, naquela forma de acompanhamento, não deixava de a fazer feliz...

7 comentários:

Carrie disse...

Estou com pele de galinha!

Leão da Lezíria disse...

Os pandas gigantes são raros. Espécie protegida, mesmo.

PS - Se as moças ficam maiores com a febre deve ser por causa da dilatação dos corpos. Tadinhas das moças...

a dona da gata disse...

Isto é ficção. Mas teria sido possível

a dona da gata disse...

Leão, erro crasso. Odeio-me por isso. Corrigido.

Goiaoia disse...

Fiquei com vontade de reler a "espuma dos dias". Não o tenho aqui, portanto nada a fazer. Pode ser que continues esta estória...

a dona da gata disse...

Esse livro do Boris Vian é lindo. É uma honra, a lembrança....

meninadalinha disse...

Que linda história de amo!!!
Será bom não a deixar fugir.