terça-feira, agosto 29, 2006

Silêncio II

Ele está sentado à secretária. Olha distraidamente pela janela aproveitando os primeiros minutos de silêncio num dia que foi demasiado longo. O escritório está finalmente vazio e ele pode pensar na conversa que quer ter esta noite. Pensa em cada palavra. Recita a meia voz cada uma das frases que lhe dirá. Como um actor que decora as linhas da sua próxima cena. Não pode passar de hoje. Ela nunca perguntou. Deixou-se levar pela ausência dos gestos que fizeram o amor nos primeiros anos. Ele nunca teve a coragem para lhe contar.

Agarra no casaco. Tira a gravata que enrola para meter dentro do bolso. Saca das chaves do carro e sai num passo decidido. Apesar do peso das palavras que irá dizer esta noite sente-se bem com a vida. Pressente que há algo de errado logo que põe o pé fora do elevador. No hall não lhe chega o cheiro do jantar. Talvez tenha apanhado mais trânsito. Talvez tenha ido às compras. Não deve demorar com certeza. Entra. Despe a roupa do trabalho e espera. As horas gastam-se no relógio de parede. Começa a ficar preocupado. Talvez tenha acontecido qualquer coisa. Marca o número dela e ouve o telefone que toca no quarto. Não há nada a fazer senão esperar. Tentar não pensar que ela pode estar com outra pessoa. É um medo antigo. Mas se até agora não aconteceu nada. A preocupação transforma-se em ciúme. A desconfiança mina a segurança de decidir por tudo em pratos limpos. Ela precisa de saber.

A noite vai alta quando ela abre a porta. Pergunta-lhe onde andou. Jantei com umas colegas da faculdade que encontrei à saída do emprego, diz com um sorriso. Tretas! Nenhuma colega de faculdade a pode ter deixado com aquele olhar. A suspeita transforma-se em certeza. Mas aquela não é uma conversa para a qual esteja preparado. Amanhã. Amanhã falamos sobre isto e sobre tudo o resto. Pode ser que não seja nada. Ele ouve o barulho que vem da casa de banho. A porta do armário onde ela arrumou a roupa. E a casa fica de novo às escuras, apenas a luz que vem da televisão reflectida na parede. Ele deixa passar algum tempo. Uma hora? duas? Já não olha para o relógio. Espera o tempo suficiente para ter a certeza que ela adormeceu. Agora é ele que vai dormir. A cabeça vazia.

Entra no quarto. Ainda pensa em não acender a luz. Cede ao instinto para não bater em nada. Olha para o chão. Sabe que ela nunca arruma os sapatos e não quer tropeçar neles. E então que vê. Espalmado. Redondo. Brilhante. Um preservativo usado dentro do sapato. Ao início tem vontade de rir. É ridículo! Um princípio de gargalhada abafado pelas lágrimas que lhe correm pela cara. Um choro silencioso que se transforma num pranto. Se ao menos tivéssemos falado sobre o assunto. Ela acorda. Pergunta-lhe o que foi. Não espera resposta. Porque essa está ali à vista.

Ele levanta-se. Enfia a roupa enrolada dentro da mala. Saia porta fora. Entra no carro. Continua decidido. Mas agora o objectivo é outro. Para na primeira farmácia que vê. O farmacêutico atende-o estremunhado. Uma embalagem de Viagra, por favor. Volta para o carro e só para à porta da Adelaide, a mamalhuda dos recursos humanos, que há meses o corteja. Com ela não haverá impotência. E mais. Não tenho que lhe explicar nada!

2 comentários:

João Villalobos disse...

E pá! Nesse sítio as dos recursos humanos são sempre boazonas :)
Tenho que enviar a candidatura...
Bj

Anónimo disse...

Oh cum caraças mas como é que o home ficou impotente??? Esta trama tá a ficar mto "apetitosa"...