terça-feira, agosto 22, 2006

Adeus tristeza

E de repente o coração faz-se muito pequenino. Sobe pelo peito. Aloja-se na garganta. Quer gritar e não consegue. Quer espernear. Bater num saco de boxe. E a única coisa que consegue é ficar sentada a meio do sofá. Pernas cruzadas em posição de lótus. O olhar fixo num ponto acima da televisão. Não há palavras. Não há reacção possível. Sabe que perdeu qualquer coisa de importante. Não se lembra onde, nem quando. Quer [re]começar. Fazer tábua rasa. Sem erros. Sem medos. Mas a vida não se apaga. Ainda bem! Há memórias dos primeiros dias que a fazem esboçar um largo sorriso. O primeiro gesto naquilo que parece uma eternidade. Há olhares que lhe ficaram registados na memória como uma fotografia. Abre a caixinha verde alface com frequência. Só para recuperar esse olhar. Há palavras escritas que não se repetem. Que deixaram saudades. Do nada chega-lhe uma tarde de chocolate. Chega-lhe o som da sua própria voz a dizer que ‘estou a envelhecer mal’. Lembra-se da trabalheira que foi explicar-se. E hoje percebe-o melhor que nunca. São sempre tão grandes as saudades pelo que já passou que é incapaz de aproveitar o momento presente. Há coisas na vida que nunca deviam mudar. A felicidade é um estado intermitente. Isso ela nunca conseguiu aceitar. Mas a vida não se apaga. Olha que porra! Por isso exige todos os dias mais. Mais e mais. Mesmo quanto a bitola já estava tão alta. Percebe que há expectativas que nunca serão satisfeitas. Quer acreditar que coloca a fasquia demasiado alta. Que o erro está em si. Faz um esforço sobre-humano para não pedir nada. Para aceitar apenas o que a vida lhe dá todos os dias. A isso chama-se resignação. Palavra abominável. Riscada a negro, para que não se leia sequer à transparência, no seu dicionário. Até que o coração se faz muito pequenino. Cheio de raiva onde devia estar amor. As lágrimas não chegam. Os joelhos doem quando a posição de relaxamento se transforma em desconforto. O olhar, parado durante tanto tempo, é atraído por um risco de sol na parede branca. Vira a cabeça. Olha para a rua onde a vida continuou a correr, ainda que com o vagar dos dias de Verão. Enfia os sapatos. Põe os óculos de sol. Agarra nas chaves do carro e promete a si própria que nas próximas duas horas não pensará em nada. Adeus tristeza.

[Estou decidida a limpar os meus drafts do blogger. Depois de ontem ter criado mais dois, hoje fui aos arquivos buscar prosas antigas.]

1 comentário:

Anónimo disse...

E tudo na vida é proporcional, cresce a idade, aumentam as rugas, baixa a estima que temos pelos sexo oposto, aumentam as exigencias, o tempo vai passando e tudo vai piorando.
Mas tudo não são pesadelos, imaginem que a vida é um mar de rosas, de certeza que continuaria com picos.