No Chile bebe-se “Café com pernas’. E por muito que se estranhe não chega a entranhar-se. Conta a história que estes bares mais ou menos requintados foram criados durante a década de 90 para dar algum colorido à vida dos pobres chilenos oprimidos pela ditadura. O Haiti, um de muitos, é um espaço amplo, paredes-meias com o palácio presidencial, de porta aberta para a rua. De uma ponta a outra, diagonalmente à entrada, há um balcão que começa a [mais ou menos] um metro do chão. No espaço deixado vago vêem-se as pernas, sempre elegantes, das empregadas que servem cafés. Os vestidos, em azul e branco, são [muito] curtos. Mas há pudor na forma como o tecido lhes cobre o colo.
Naquele fim de tarde frio há pouco mais de duas dezenas de pessoas por ali. Encostados ao balcão, quase todos na idade da reforma. São talvez os que ainda têm memória do tempo em que está era a única forma de exercitar a imaginação. É um local turístico, mas algum pudor pelas pernas desnudas das moças, fez com que não tirasse fotografias. Arrependo-me. A realidade faz parte do colorido local e merece ser retratada. A alguns metros de distância, temos a versão menos recatada do “café com pernas”. O balcão é semelhante e a arquitectura rege-se pelos mesmos princípios. Mas aqui as pernas serão, talvez, o menos interessante. É tudo uma questão de gostos. Os tais que não se discutem. O espaço é muito pequeno e a porta está ‘encostada’ para a rua. Não há porteiro nem restrições à entrada. Lá dentro há muito fumo, mas não o suficiente que impeça de ver as mulheres, com minúsculos fios dental e saltos de 15 centímetros, que servem atrás do balcão.
Estas miúdas têm horário de função pública. Trabalham entre as 8 e as 21h [é a isenção de horário], não servem bebidas alcoólicas e ganham pelo que vendem e pelas fotografias [as que se deixam fotografar] que os turistas queiram pagar. Ninguém ficará rico por vender coca-colas e sumos de fruta... Elas não explicam – também não dizem quanto ganham de ordenado, limitam-se a sorrir quando perguntamos se é pouco –, mas calculo que a falta de álcool seja uma forma de evitar desacatos. Se querem bater que batam na mulher logo que chegarem a casa. Se não houver razão, que seja pelo facto da mesma, a mulher, não vestir aquela lingerie. E se veste, por ficar um verdadeiro estafermo!