Estou sempre nervosa nestas ocasiões. Mal vejo a câmara o pânico apodera-se de mim, olho para baixo e aperto o microfone na mão. Não supero este medo de um dia para o outro. Desta vez, um ambiente festivo, uma apresentação daquilo a que chamaram um livro, um artista de renome, de carreira, de nome Tony Carreira. Fila interminável na Bertrand do Vasco da Gama, terça-feira à noite, o Jornal já no ar. Os gritos e as lamúrias, os cânticos e os quase-desmaios, livros na mão, à espera de um beijo, uma fotografia, um autógrafo. E eu ali, ao lado do homem, observo-o, reparo nos sapatos de bico, no blusão brilhante, aprecio o penteado moderno, deslumbro-me com o tipo de público. São essencialmente mulheres, mães e filhas, tias e sobrinhas, irmãs. Falamos antes, digo que somos conterrâneos, sim, a minha mãe é de uma aldeia próxima daquela onde nasceu Tony. Sem água corrente, sem luz eléctrica, poucas condições, miúdo sem meios, vontade de cantar, o pai em Paris. A minha mãe é de perto, digo eu, lá de Pampilhosa da Serra, sorri, estamos já próximos, conta-me da dele, da mãe que vendia peixe onde a minha avó o comprava, talvez se tenham cruzado, conhecido, trocado escudos e bens.
A luz acende-se e vejo o repórter colocar-se à minha altura, câmara em frente aos meus olhos, a voz que me fala ao ouvido, oiço a deixa, começo. O tempo passa, passam mais de seis minutos, uma eternidade para um directo de televisão, mas lá estão o Tony, as fãs, a mulher com um crachá onde leio "o Tony é o meu anti-depressivo", desejo-lhe melhoras, falamos de novo, as fotografias a clicar de todos os lados, a ansiedade de quem espera por uma assinatura, ele em pé naquele trabalho, resistente, simpático. Pergunto-lhe sobre o avô, o pacote de bolachas que lhe oferecia em miúdo, pelo Natal, Maria, doce presente para um menino sem nada. Depois Paris, dias de emigrante, rapaz mal vestido de quem os colegas troçavam, elogio-lhe a roupa de hoje mas não sou sincera. Estamos em directo. Agradeço, peço o autógrafo para a imagem, assina o livro e saímos do ar.
Fico admirada com a resistência de Tony. Dizem-me que na noite do concerto no Pavilhão Atlântico - esgotado - ele ficou até às seis da manhã a dar autógrafos. Sempre de pé. De pé por causa das fotografias e dos beijinhos que todas querem. O livro está cheio de segredos sobre a vida do cantor de sucesso. Não gosto como está escrito mas agrada-me a simplicidade. Gosto da honestidade, aprendo sobre o mito. Despeço-me com dois beijos e, sei-o hoje, achou-me simpática. Mais, comentou, sou uma mulher frágil! E ele, um observador. Não sei se certeiro. Pelo sim, pelo não, guardei o livro de capa dura. Até onde irá António Antunes, nome artístico, Tony Carreira?