quinta-feira, agosto 31, 2006

O Freitas

[Não ficaria bem com a minha consciência, mesmo correndo o risco de que ele deixe de falar comigo, se não dissesse que a personagem do Freitas, assim como este texto, não é da minha autoria. Foi escrito pelo R., em resposta a um desafio lançado por mim.]

Quem se safou à grande foi o Freitas. Casado, dois filhos, uma mulher fabulosa, ex-miss de Portugal, como ele – e bem, diga-se -, se orgulhava de dizer em qualquer momento, em qualquer lugar. Há quem diga que põe a mulher num altar. Há quem defenda que é mais uma “arma” de auto-promoção.

Acontece que o Freitas não perde uma. Tem olho para a cena. Conhece como ninguém a sensibilidade duma mulher triste. Já na faculdade o Freitas se safava sempre com os arrufos de casais de namorados! E aqui não havia amigos. Aliás no dia em que ele foi apanhado nos balneários do ginásio a "comer" a Beatriz a namorada do seu "melhor" amigo, a resposta foi "É pá Sebastião, nunca nos chateamos por causa duma mulher... não vai ser agora..."!

O Freitas sempre trabalhou num banco. Começou a fazer telemarketing. Vendia tão bem cartões, como seguros automóveis, como um seguro de saúde. Ninguém o incomodava, tinha uma auto-confiança intrigante. Dava a mesma atenção à senhora de 80 anos, ansiosa por conversar ao telefone, como ao mais “duro” dos doutores, que a achar que estava por dentro do mercado, e que já tinha conhecimento do produto, lá acabava por accionar o que o Freitas tinha para lhe vender.

Hoje, Director de Privatte Banking do mesmo banco que o viu crescer, o Freitas continua o mesmo. Dá atenção a toda a gente. Um sorriso mágico para elas. Incomodativo para eles. Gere milhões com o mesmo entusiasmo com que vendia um cartão! Ainda hoje diz, que a lábia é tudo, a técnica vem com a lábia! Não se tem dado mal, e enquanto assim for...

A comprová-lo está a sua mais recente amiga. Começou com um café ocasional. O Freitas nem bebe café. Ia buscar água e encontrou-a mais que atrapalhada por uma questão tão simples como a máquina não ter trocos. “Isto em casa não deve andar nada bem”, pensou ele. Chegou-se por trás, carregou num dos quatro botões opcionais para tirar café, meteu a moeda, e ofereceu-lhe o copo, com um “…de manhã não é fácil para ninguém”.

Um pouco atrapalhada, sem entender como é que ele tinha acertado no café curto com pouco açúcar, lembrou-se de há quanto tempo ninguém lhe oferecia um café com tanta delicadeza... com tanto carinho. Ainda lhe quis dar a moeda que insistia não ser aceite pela máquina, mas o Freitas respondeu-lhe “hoje pago eu, amanhã paga você, pode ser?”.

Claro que pode... foi assim naquele e nos 15 dias que se seguiram, em que a ansiedade dela para que chegassem as 16 horas era tão óbvia, que até a Carmo já lhe tinha enviado uns quantos mails na palhaçada. Logo ela, que para se levantar do lugar quase que tinha que ser arrastada pelas colegas. Há muito que aquele ecrã do portátil - que olhava para ela todos os dias, das 08h às 18h - não via aquele brilho nos olhos, aquele sorriso delirante.

Os primeiros dias foram animados, duma guerra de moedas sempre para saber de quem era a vez de inserir o metal mágico e pedir dois cafés. Começaram a falar de trabalho, de como a festa de Verão tinha sido animada. Ao final da primeira semana já falavam da vida, sem nunca fazerem ‘A Pergunta’. Até porque o anel no dedo de cada um valia mais que mil palavras!

O primeiro almoço aconteceu com a naturalidade de quem já se conhece há cinco anos. As trocas incontroláveis de mensagens colmatavam a vontade de estarem juntos. Um “sim”, foi respondido à mesma velocidade dum “troca-se café das 16h por um almoço no Zé Pinto” – a famosa tasca, especialista em grelhados, testemunha de um sem número de farras entre o Freitas e os amigos, principalmente quando jogava o seu Belenenses.

Ficou delirante com o arroz à Lampião, com o jarro de vinho tinto da casa. Deliciou-se com queijo de cabra, com o casqueiro que lhe foi servido. Deslumbrou-se com o desconforto da cadeira, com o abanar da mesa, repentinamente acertada com o guardanapo que ele tinha do seu lado direito. Impressionante, como se fazem grandes momentos de pequenos nadas, pensava ela. Quando à decoração, não podia ser melhor... ela, benfiquista ferrenha, sócia cativa... estava a almoçar com a foto do Eusébio a espreitar-lhe por trás do ombro. Acabaram a falar da vida, e a pedir o terceiro jarro de vinho.

ÁS 14.30h, quase que por instinto disseram um até já, com um beijo a roçar o canto do lábio. E sim, não houve café às 16h, mas houve lanche às 18... bem longe dali... algures onde o gasóleo acabasse! Que nem relógio suíço lá estavam eles, na garagem da Empresa. O 46 da Carris que a levava todos os dias a casa foi substituído pelo Audi TT.

Ela não falou. Nem o Telemarketing do Freitas a fez abrir a boca. O que ainda se tornou mais constrangedor com o caos no trânsito que os fez estar num “pára-arrranca” durante mais de hora e meia!

Quase a adivinhar o que se ia passar, e já com a noite cerrada de um fim de tarde de Fevereiro, o Freitas estaciona no desconforto do seu silêncio. Ainda lhe tentou perguntar se estava tudo bem, ou se queria que a levasse a casa, mas ela não deixou dizer mais nada, beijou-o como se não houvesse amanhã... mandaram três! Duas de prazer, a terceira de raiva, por os seus dias já não serem assim há dois ou três anos!

Já passava das 21h30, quando ele a quis deixar perto de casa, ela preferiu ficar na mesma paragem de autocarro que lhe acena um “boa tarde” todos os dias. Não houve beijo de até amanhã... apenas um baixar de cabeça por parte da cada um. Ela sai do carro num misto de tristeza e felicidade.

O Freitas segue caminho com um sorriso de orelha a orelha. Vai para casa ter com a esposa. uma mulher fabulosa, ex-miss de Portugal…

Ela, bem quanto a ela... Era tarde, muito tarde, quando meteu a chave à porta...

Life is a bitch

Não devia ter escrito isto. Afinal somos um blogue de família. Nunca se sabe quando o F. irá espreitar por cima do ombro da minha irmã para ver o que a tia anda escrever. O F. que já fala comigo por msn, enquanto queimo as últimas horas de dias cada vez mais longos. Paciência. Está dito, está dito. E há mais. A ser enrabada gosto que o façam com jeitinho e com a minha autorização. O que aconteceu ontem foi verdadeiro terrorismo. Pessoal e institucional. Boicote total a um dia inteiro de trabalho. O reconhecimento que merecia acabou ofuscado, porque neste mundo continuam a existir filhos e enteados. Continuam a existir compadrios e tipos que acham que podem passar por cima de quem querem, só porque tem ‘broches’ antigos para retribuir. Ontem esgotei a dose de fel em horas de conversas telefónicas. Frustrantes. Desesperantes. Desgastantes. Fui mal educada. Muito. Já devia saber que não se apanham moscas com vinagre. E os outros foram atrás, com a papinha toda feita pelos senhores da comunicação. Life is a bitch. E hoje continua.

quarta-feira, agosto 30, 2006

O Panda Gigante

Não sossegou a noite inteira porque a constipação não a deixou respirar. Ofegante, virava-se de um lado para o outro, à procura de uma postura melhor, uma forma de estar, uma forma de aguentar aquelas dores no corpo e na cabeça. Tinha bebido um chá quente, de camomila, com mel. Preparado por ele e levado à cama com um comprimido para aquela agonia. Tinha tomado um banho quente e as mãos dele tinham-lhe passado nas costas, uma mão de esponja, que acalma, que serena, que a deixou de cabelos penteados, molhados, até sair da banheira.

Era a primeira vez que tomavam conta dela. Assim, quase por nada, uma constipação normal, coisa de crianças, uma febre a esticar mas sem fazer mossas maiores; uma dor nos olhos que quase não a deixava ver. Mas se os abria, lá estava ele, naquele corpo grande e denso, naquele peito cheio de pêlos - que não a incomodavam nada - naquele cabelo já com entradas a deixar antever uma idade mais avançada, uma responsabilidade maior, uma preocupação familiar. Só o bigode lhe desagradava. Queria que ele o cortasse, mas não discutiam por isso. Pica, dizia ela às vezes. Ele ria-se. Sim, picava, isso sabia ele. Mas há tantos anos que picava porque seria agora hora de mudar? Porque está branco, dizia-lhe ela. Ele voltava a rir e chamava-lhe coelha. Era por causa dos dentes.

Adormeceu de cabeça inclinada, no ombro dele, e com as mãos que lhe acariciavam a cabeça. Já tinha posto as gotas que lhe permitiam quatro horas de respiração, não mais do que isso. Ele não pregou olho. Ficou ali a olhar para ela, à espera de um menor sinal de dor ou desconforto. Ela acordou de repente e deu com os olhos abertos dele, ali à frente. Beijou-lhe o bigode e voltou a tomar um comprimido. Ele levantou-se para lhe trazer a água e continuou a resistir, por ela.

Não dormes?
Sim, tenho estado a descansar.
Mentiroso.

E voltou a agarrar-se àquela espécie de panda gigante que naquela noite a envolvia em pelo fino. Não teve frio, com ele ao lado, não teve medo, e não se assustou quando, mais tarde, voltou a abrir os olhos cada vez mais congestionados. Era quase manhã. No dia seguinte ele ia trabalhar mas estava ali, residente, persistente, apaixonado.

Ela queria estar melhor. Mas a doença, naquela forma de acompanhamento, não deixava de a fazer feliz...

Estados d'Alma [iv]

Farta de filhos da puta!

terça-feira, agosto 29, 2006

Entre um blog e outro*

"Interrogo-me sobre o porquê desta nostalgia que se me colou, à nascença, como uma tatuagem, determinada a acompanhar-me, vida fora.Questiono-me sobre este descontentamento, este desfasamento entre vontade e capacidade, esta incompatibilidade entre desejos e possibilidades, este constante querer estar onde não estou, desejar o que não posso, ter o que nunca conseguirei…Pergunto-me sobre esta ânsia, esta angústia, este aperto que me asfixia, que me paralisa nas escolhas e me tolhe nos caminhos… Ah, pudesse eu escolhê-los nove vezes e viver várias vidas, como fazem os gatos!"

*Em versão eu-podia-ter-escrito-isto em E as Fadas...

Estados d'Alma [III]*


[Em versão wishful thinking. Via Cibertúlia]

Silêncio II

Ele está sentado à secretária. Olha distraidamente pela janela aproveitando os primeiros minutos de silêncio num dia que foi demasiado longo. O escritório está finalmente vazio e ele pode pensar na conversa que quer ter esta noite. Pensa em cada palavra. Recita a meia voz cada uma das frases que lhe dirá. Como um actor que decora as linhas da sua próxima cena. Não pode passar de hoje. Ela nunca perguntou. Deixou-se levar pela ausência dos gestos que fizeram o amor nos primeiros anos. Ele nunca teve a coragem para lhe contar.

Agarra no casaco. Tira a gravata que enrola para meter dentro do bolso. Saca das chaves do carro e sai num passo decidido. Apesar do peso das palavras que irá dizer esta noite sente-se bem com a vida. Pressente que há algo de errado logo que põe o pé fora do elevador. No hall não lhe chega o cheiro do jantar. Talvez tenha apanhado mais trânsito. Talvez tenha ido às compras. Não deve demorar com certeza. Entra. Despe a roupa do trabalho e espera. As horas gastam-se no relógio de parede. Começa a ficar preocupado. Talvez tenha acontecido qualquer coisa. Marca o número dela e ouve o telefone que toca no quarto. Não há nada a fazer senão esperar. Tentar não pensar que ela pode estar com outra pessoa. É um medo antigo. Mas se até agora não aconteceu nada. A preocupação transforma-se em ciúme. A desconfiança mina a segurança de decidir por tudo em pratos limpos. Ela precisa de saber.

A noite vai alta quando ela abre a porta. Pergunta-lhe onde andou. Jantei com umas colegas da faculdade que encontrei à saída do emprego, diz com um sorriso. Tretas! Nenhuma colega de faculdade a pode ter deixado com aquele olhar. A suspeita transforma-se em certeza. Mas aquela não é uma conversa para a qual esteja preparado. Amanhã. Amanhã falamos sobre isto e sobre tudo o resto. Pode ser que não seja nada. Ele ouve o barulho que vem da casa de banho. A porta do armário onde ela arrumou a roupa. E a casa fica de novo às escuras, apenas a luz que vem da televisão reflectida na parede. Ele deixa passar algum tempo. Uma hora? duas? Já não olha para o relógio. Espera o tempo suficiente para ter a certeza que ela adormeceu. Agora é ele que vai dormir. A cabeça vazia.

Entra no quarto. Ainda pensa em não acender a luz. Cede ao instinto para não bater em nada. Olha para o chão. Sabe que ela nunca arruma os sapatos e não quer tropeçar neles. E então que vê. Espalmado. Redondo. Brilhante. Um preservativo usado dentro do sapato. Ao início tem vontade de rir. É ridículo! Um princípio de gargalhada abafado pelas lágrimas que lhe correm pela cara. Um choro silencioso que se transforma num pranto. Se ao menos tivéssemos falado sobre o assunto. Ela acorda. Pergunta-lhe o que foi. Não espera resposta. Porque essa está ali à vista.

Ele levanta-se. Enfia a roupa enrolada dentro da mala. Saia porta fora. Entra no carro. Continua decidido. Mas agora o objectivo é outro. Para na primeira farmácia que vê. O farmacêutico atende-o estremunhado. Uma embalagem de Viagra, por favor. Volta para o carro e só para à porta da Adelaide, a mamalhuda dos recursos humanos, que há meses o corteja. Com ela não haverá impotência. E mais. Não tenho que lhe explicar nada!

segunda-feira, agosto 28, 2006

Prova dos 9

Afinal, mulheres e homens são, ou não diferentes aos olhos de uns e de outros? Um casal amigo separou-se recentemente. Ela arranjou um namorado para as voltinhas e ele anda a dormir com cada miúda interessante que lhe aparece à frente. Nenhum está totalmente infeliz. Nenhum está totalmente feliz. A única coisa que ambos sabem é que também já não eram felizes juntos.

Numa discussão acesa com um amigo - homem - defendi que se fosse ela a andar com os primeiros 10 homens que lhe aparecessem seria apelidada de p.... Ele disse-me que não, que eu é que não sabia o que era viver em 2006, e que cada um pode fazer o que bem lhe apetece que o grau de censura será sempre o mesmo. Para ele, e para ela.

Ninguém tem nada a ver com estas duas vidas, é claro. Farão o que entenderem e tirarão dos seus actos as devidas consequências. Boas ou más. Mas eu continuo a achar que, geralmente, a mulher é a penalizada por ser mais ousada em momentos que se esperam, dela, de tristeza.

Ou será que este meu pensamento me ocorre apenas porque eu própria nunca arrisquei a felicidade em momentos maus e preferi enterrar-me neles?

Fica a questão. Não a minha pessoal, mas a que serve de resposta a todas estas dúvidas...

Projecto

Criar um Jardim Zoológico em Barcelos.

Silêncio

E de repente, sem aviso prévio, sem carta registada ou notificação, era de novo só ela. Ela e um silêncio ensurdecedor. A cama demasiado grande. A comida feita para um. Só um prato na mesa. Nunca pensou que fosse doer o dia em que ele batesse com a porta. Nunca pensou que o fim do que há muito não era mais do que nada, provocasse uma ligeira dor na base do pescoço, que alastra pelas costas e se instala nas ‘cruzes’, como dizia a sua avó. Sempre acreditou que no fim o vazio se transformasse em alívio.

Aquilo já não era vida. Era um arrastar de dias, uns atrás dos outros, encarreirados em fila indiana, bom dia, boa noite, como foi o teu dia? Passou-se. Mais chatices no escritório. Perdemos uma conta importante. E tu? O costume. Nada de novo. Dorme bem. Até amanhã., à espera do fim-de-semana que nunca mais chegava. E à sexta à noite, mortinhos para que fosse segunda-feira outra vez. Cansados de olhar um para o outro sem nada para dizer. Ela já nem se queixava da roupa desarrumada. Dos pratos que ele devia pensar que deviam levitar para dentro da máquina. Da atenção que ele não lhe dava. Da televisão sempre a dar futebol. E o sexo? O sexo era bom. Ao início – Quantos anos passaram? –, porque agora já nem isso. Ela ainda comprou lingerie. Uma coisa desconfortável feita em renda. A senhora do C&A disse que seria infalível. A Carmo, a boazona dos recursos humanos, soltou uma gargalhada e disse que agora é que era. Mas ele chegava a cama e apagava a luz. Nem via que, nessas noites, ela se perfumava, deixava o cabelo solto sobre os ombros.

Era uma vida já gasta. Até ao dia em que Freitas do escritório a convidou para sair. E ela, habituada na transparência de um homem que nunca a olhava, sentiu-se o centro do mundo. Ele queria mesmo saber como ela estava. O que ela pensava. O Freitas que, apesar do bigode e a careca que avançava a olhos vistos, até nem era de deitar fora. Primeiro foi um café durante a tarde. Depois encontros quase diários ao cair da noite. Sempre de fugida. Ele estava a espera que o jantar estivesse na mesa a tempo e horas. Que as camisas fossem passadas. Até que um dia, num banco de Belém ela se esqueceu das horas, enquanto o Freitas fazia subir a mão direita por baixo da saia. Lhe tocava onde há muito tempo apenas os seus dedos chegavam.

Era tarde, muito tarde, quando meteu a chave à porta. Ele lá estava, sentado no sofá, uma caixa de pizza no chão da sala. Perguntou-lhe onde estivera. Ela balbuciou uma desculpa, consciente que o sorriso, que não conseguia disfarçar, a traía. Disse que estava cansada. Que precisava de dormir. E fugiu daquele olhar inquisidor. Ele continuou onde estava, comando na mão. Saltando de canal em canal, como quem procura uma resposta. Já na cama, adormeceu em dois tempos, envolta numa ilusão de felicidade que não sabia ser possível. Acordou com o choro dele. Os olhos fixos nos sapatos dela abandonados à porta do quarto. Que foi? Que tens? Estás doente? E ele calado, a olhar para os sapatos. Ela levanta-se, senta-se ao lado dele. Segue-lhe o olhar. Dentro do sapato, esmagado pelo peso da felicidade dela, um preservativo usado. Não houve discussões. Pedidos de desculpa. Apenas o olhar dele vazio. Os gestos mecânicos que tiravam do armário a roupa que enfiava na mala de viagem. Depois, a porta a bater. E por fim, o silêncio.

domingo, agosto 27, 2006

12 anos de um mesmo dia

Ao terceiro ano tudo devia ter passado, mas ela estava presa a um outro tempo e não conseguia distinguir o bom do mau. Tudo era bom, sendo mau, e tudo era bom porque até o mau era bom. Com a cabeça tão confusa e a mente tão desligada do futuro restava-lhe pensar e fazer contas à espera que o tempo passasse. Dá tempo, ao termpo, disseram-lhe. E ela deu. Tanto que o tempo a tomou e cada data tinha qualquer coisa para recordar.

Era uma vida de coincidências, a dela. O início do namoro e o fim do casamaneto tinham sido precisamente no mesmo dia. 12 anos separavam as datas, mas o dia e o mês coincidiam. Quando pensava no beijo a que disse sim, pensava imediatamente nas lágrimas de um não para o resto da vida. Seria? Ela não sabia. Tinha acontecido tanta coisa e ele não era uma pessoa definitiva. Ela é que devia ser, mas não conseguia.

Recordava com a mesma força o dia em que viram as estrelas juntos, com a água da barragem a luzir com uma lua cheia, maravilhosa. As mãos entrelaçadas ainda envergonhadas. Os olhos curiosos dos amigos que queriam ter a certeza que 'desta vez' era a sério. É que, à semelhança de fins, também houve muitos inícios. Aquele era apenas o oficial. Beijou-a ternamente naquela noite suave e sem vento, e a partir daí deciddiram ser felizes. Ao mesmo tempo, recordava esse mesmo dia, 13 anos passados, feitos de sortes e azares, lágrimas a saltar como nunca, ele a passar-lhe um braço por cima, o telefone a tocar insistentemente e ele, mesmo de férias, que era Agosto, a atender as chamadas. Falava italiano e ela percebia que nesse dia ele partiria. Acabaria as férias ali mesmo, o casamento, ali mesmo, o amor saía para Itália para ter uma pronúncia diferente e um gosto carregado a parmesão. E ela até gostava de queijo. Mas não naquele dia de Agosto.

Era um dia de Agosto diferente dos outros. Era possível recuar cada ano e saber como tinham, noutros tempos, celebrado aquele dia. Nunca mais aconteceria. Era um dia de Agosto como os outros. Mas triste.

Encostou-se às paredes de pedra da velha Estrada de Sintra e pediu, implorou, deu alternativas, prometeu. O italiano irredutível apenas lhe passava a mão pela cabeça. Ela gritava. Ele pedia-lhe baixinho que se calasse, que era melhor para os dois, que assim é que tinha de ser e que, um dia, chegariam ambos a essa conclusão. Ela não sabia que era possível concluir isso.

Ela ainda não sabe. E Agosto está a chegar ao fim.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Falta de apetite

Tenho os jornais ao lado e já os folheei. Hoje as notícias são de futebol. Melhor dizendo, são notícias sobre os bastidores do futebol. Pouco me interessam, mas chamam audiências e têm o País nas mãos. Pelo menos houve um sorteio para a Liga dos Campeões e sempre é um assunto de bola, este, em vez de termos de ouvir o Presidente do Benfica em todos os noticiários, sem que ninguém perceba o que ele diz e quer dizer; vindo depois um irritado Valentim Loureiro que eu, pessoalmente, detesto e não confio, com desafios e protestos mais não sei o quê, para pôr tudo a tremer de medo, ai Jesus que não vai haver jogos da Liga.

As primeiras páginas também falam do Voo 93, o primeiro filme feito após e sobre o 11 de Setembro. Eu quero ir vê-lo mas cheira-me que também há ali muita choradeira e muitas frases feitas, a julgar por um trailer onde uma das hospedeiras, antes do voo arrancar, diz ter saudades dos filhos e da família. Eu estou aqui ao teclado e também tenho saudades da minha família, não ando é por aí anunciar. Também não sou hospedeira... mesmo assim vejo pouco a minha família.

E Plutão, que deixa de ser planeta? Até no sistema solar há despromoções. Faz sentido, é um sistema.

Mas isto tudo porque não me apetece trabalhar. Já não tenho vontade de fazer mais nada hoje mas também parece mal estar a ir-me embora tão cedo. Talvez porque sempre me habituei a sair muito mais tarde. Mas acho que hoje vou fazer gazeta. Mais, porque este post escrito por aqui já é uma espécie de gazeta. E não tenho nada para dizer, é só mesmo para passar o tempo e desabafar, que ultimamente não tenho paciência para nada e para ninguém e entretanto iniciei uma dieta. Não é uma dieta a sério mas evito comer gorduras e doces e carnes vermelhas e coisas dessas. Até já enjoeei o cheesecake e a meia-de-leite vai pelo mesmo caminho. Agora como gelatinas à noite e bebo iogurtes líquidos de manhã.

Vejo mais uma vez o Jornal e percebo que muitas mulheres de Elvas prefererem ter bebés em Badajoz. Eu faria o mesmo, se vivesse em Elvas, e ainda passava pelo El Corte Inglès para comprar umas roupinhas para a criança. Mas também não sei se e quando serei mãe. Aos 33 anos é uma preocupação que começa a assolar-me. Rasteirinha, mas todos os dias me faz pensar. Lá iremos. Aguente-se até aos 40 que dizem que ainda há tempo.

A redacção estás quase parada. E vazia. É o típico mês de Agosto. Poucas notícias e as que há já estão feitas. Não há stress, nem gritos, nem televisões com o som no máximo, nem pessoas a correr de um lado para o outro. E aqui não se fuma.

A mim apetece-me tudo menos estar aqui. Noutros tempos, colegas meus penduravam o casaco na cadeira e partiam. Nunca ninguém sabia que, de facto, já se tinham ido embora, pois se ali estava ainda uma peça de roupa... mas eles iam em mangas de camisa e deixavam o casaco para o dia seguinte. Não trabalhavam muitas horas.

Eu estou sem casaco. Aliás, tenho dois, no carro. Mas não deixo aqui nenhum porque ainda sou roubada. E antes roubar o tempo ao meu trabalho, ainda que uns míseros minutos para escrever esta prosa que a ninguém vai dizer nada.

Piscina

Naquela noite ele deveria estar em Madrid. Ela estava em casa à espera do dia seguinte, quando ele voltasse. Tinha recusado um convite para jantar e sair só para ir para a cama mais cedo, dormir bem, pôr-se a postos, estar à espera dele como quem espera um príncipe que nos traz o par de sapatos certos. Naquela noite ela deitou-se cedo e só acordou um pouco depois quando o telefone tocou. Era uma amiga:
- Olha lá, ele não estava em Espanha?
- Sim, vem amanhã.
- Olha que não. Estou a vê-lo à minha frente a beber copos e a fumar cigarros.

Pegou nuns jeans e na primeira camisola que encontrou e saiu. Depressa. Fugiu pela A5 e entrou na cidade sem ligar a sinais vermelhos, a carros que ultrapassava pela direita, a avisos de outros condutores. Lágrimas corridas à mesma velocidade e um rádio com a música no máximo, na esperança de lhe afagarem os gritos.
Encontrou o carro dele à porta do bar. Estava ali, e não em Madrid, como lhe tinha dito. Entrou e olhou para ele. Viram-se, mas não disseram nada. Ela saiu e ficou à espera. Nada. Nada de nada. Enervada voltou a entrar e agarrou-o com força pelo braço. Olhos semi-cerrados, voz entredentes, transfigurada. Porque é que estás aqui? Apeteceu-me, foi a resposta.

Saiu de novo. Travou os gritos e o choro que não quis mostrar em público. Desta vez ele veio atrás dela. O que é que tem? Eu ia para casa... O que é que tem? Mentiste-me! Discussão feia, a seguir, nervos à flor da pele, palavras não ditas que se disseram sem pensar. Fim anunciado.

Naquela noite, ela subiu cinco andares para chorar mágoas no ombro do irmão mais velho. Ele mergulhou numa piscina e não tinha mágoas para afogar.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Vacas com sotaque

Na Irlanda, dizem agora os investigadores, que as vacas mugem com sotaque. Numa feira de gado puseram-se todos a tentar adivinhar de onde vinha a vaca através de um simples Muuu...

Eu gosto da ideia. Até defendo que deve ser aplicada em Portugal, a teoria. Temos vacas por tanto lado, a percorrer o País, e não sabemos de onde vêm, nem para onde vão. Se não foram assinaladas - ferroadas - pelos donos, ficamos com esta dúvida permanente que é: de onde veio a vaca???

Parece-me que é de estudar, esta novidade, e dedicar algum tempo à fonética, à métrica, aos som de cada vaca que muge. Porque há tempo para tudo, nesta vida, e esta é uma tarefa que até pode ser feita na posição de sentado.

É só dizer à vaca para mugir e ela muge: Olha, esta é de Trás-os-Montes, diz um; esta é concerteza dos Açores, diz outro (dirá Miuuu????); e esta do Alentejo - e assim sucessivamente. Cada vaca na sua terra, é o que é. E que nenhuma se perca pelas estradas nacionais, porque não vão querer ser descobertas - imaginemos uma vaca migrante ou uma vaca em fuga - a pedir boleia.

Muuuu... Esta é de Lisboa.

Afectos [IV]

Aquele era um amor com prazo de validade. Estava-lhe escrito na pele que seria uma paixão de Verão. Duzentos e dezanove dias riscados nas folhas do calendário. Um amor para armazenar afectos para um longo Inverno. Para viver em noites afrodisíacas. Exibir nas esplanadas. Passear à beira mar. Consumar sobre um céu estrelado. Era um amor programado. Construído na convicção de que o frio mataria, mais uma vez, as borboletas. Mas numa noite de Agosto, quando o prazo estava a acabar, quando se queimavam os últimos cartuchos, quando se preparavam discretamente as bagagens para sair porta fora sem olhar para trás. Naquela noite, com a chuva a martelar nos vidros e o vento a fustigar as árvores do lado de fora da janela, enquanto puxava para si o fino lençol branco e se aninhava, mais e mais, na curva do seu ombro, ela percebeu que podia ficar. Que se fosse tratado com cuidado este podia ser um amor de Inverno. Para consumar em frente à lareira. Aninhou-se mais um pouco. Entrelaçou as pernas nas dele. Adormeceu com a certeza que os meses seguintes seriam de sol firme. Que se lixem os homens da meteorologia!

quarta-feira, agosto 23, 2006

Olá. Como estás?

Tenho tudo para dizer e nada para escrever. Mas não me apetece dizer nada a ninguém. Espero que adivinhem o que me vai na alma, o que sinto, o que penso, o que quero e o que não quero. Não quero nada: nem comer, nem falar, nem escrever, nem ler, nem trabalhar. Apenas dormir e respirar o sono durante o dia como se um sonho pudesse ultrapassar todos os minutos da claridade. Mas não dá. A noite é escura demais e o dia fica com as marcas em forma de olheiras. Não sou feliz, não sei porquê, não descubro, não tento, não chego lá. Sou uma espécie de gente que se move porque tem de ser, que vai porque tem de ir, porque pára quando tem de parar. Mas nada quero, nada sei, nada faço por minha vontade. A vontade não existe. O poder de dominá-la há muito que se foi e fico à espera que volte. Dizem que é cansaço, que é depressão, que é saudade, que é amor... não é nada disso. Ou pode ser tudo, misturado, feito massa que na minha, cinzenta, me reduz a pó. E vou, num sopro, para o outro lado, onde não me amparam, onde não sei o caminho, mas para onde sigo sem olhar para trás.

Não tenho soluções para nada. Tenho pena de mim mesma e sinto-me mal por tê-la. Sinto pena dos outros que se preocupam comigo porque sei que nada podem fazer. Só esperar. Como eu espero, mexendo-me pouco, como espero pelo dia em que compreeenderei tudo isto, como espero pela noite em que sorrirei a dormir, pela manhã que me verá acordar e dizer 'bom dia'.

São modos de estar. Passageiros, pensamos nós. Eu rezo para que o seja. Ou desespero.

Conto(s) II

Fechou os olhos para sentir melhor. A língua dele deslizava-lhe pelo ventre sem deixar nem mais, nem menos saliva. Apenas a suficiente, para escorregar. Tocou-se para sentir que estava molhada, a condizer, e sorriu. Ele continuava, devagar, numa lentidão propositada de quem usufrui de cada segundo para se impôr. Leve, muito ao de leve, passou-lhe a língua pelas pernas, pelo interior, na zona onde ela sempre se envergonhara de ter mazelas. Não importava, agora, a celulite. Esqueceu-se disso. Depois empurrou-lhe a cabeça e ele foi. Directo. Sem hesitações. E mergulhou nela com um arfar que os dominava. Era uma parte dos preliminares.

Coisas que me fazem sorrir [XXIII]

Almoçar à beira rio com boa companhia. E imaginar por uns segundos que não tenho que voltar ao pasquim...

terça-feira, agosto 22, 2006

Experiência

O importante é gostar, mesmo que se tenha medo. O medo não importa nada, o medo faz parte e não se deve desprezar. Aliás, só se está inteiro quando se aceita esse medo, essa irrazoabilidade. O ideal é não deixar nunca o medo, o cansaço, a fragilidade para trás. Porque isso leva a que se acabe por dar demais, a estar sempre pronto, a nunca dizer não. Com enorme custo, com o desgaste que essa prontidão implica. Por isso, há que gostar e ter medo. Aproveitar o balanço do gostar e entregar para Deus o medo. Faz-se o melhor que se pode, se sabe e se quer. E aprende-se com isso.

Há dias assim...

... como o de hoje.

Exasperante, gasto, monótono e cansativo, ao mesmo tempo.
Há dias em que apetece fugir de dentro de nós mesmos e deixar que outro tome o lugar só para ver como é. Benfeita. Seres como eu há-de servir-te de lição para o teu descontentamento diário.
Há dias assim. Idos. Passados e sem futuro. Dias que não dão tréguas, que não fazem sorrir, que não permitem chorar.

São dias que passam e nunca mais nos lembramos deles.

Escritos

Voltei a escrever um post que não tenciono publicar. Mais um para o exército de drafts que se acumula no blogger. A Dia já me avisou que qualquer dia eles se amotinam. Exigem quebrar as barreiras do anonimato e saltar para a ribalta. Mesmo que seja coisa para vinte leitores fiéis, a tal ribalta a que os gajos aspiram.

Há que ser sincera. Já não escrevo como escrevia. Ser frontal e admitir que há atilhos à volta dos pulsos de cada vez que ataco o teclado. São uns fios ridiculamente frágeis. Mesmo assim… Pondero mil vezes cada sílaba. As palavras são medidas a régua e esquadro. Não consigo deixar de pensar no efeito que terão. Como um bater de asas na China. Mesmo que me digam que não produzem efeito nenhum. Não há acções sem consequências. [Releio o último parágrafo e penso que já escrevi isto, ou algo muito parecido. A questão é se o publiquei. Adiante.]

A alternativa era deixar de escrever. Deixar esta Cidade entregue ao Deus dará, neste caso à Samantha. Fica muito bem entregue! Mas, a verdade, é que já nem me levo a sério quando penso em fazê-lo. Há dias em que preciso mesmo disto. Já não sofro do síndrome de abstinência que me atacava há coisa de um ano. Já consigo passar mais de quarenta e oito horas longe de um teclado. Já passo dias inteiros sem me dedicar a actividades pidescas. Mas gosto de escrever. O bichinho está mais do que instalado. E agora, que há quem esteja disposto a pagar por contos arrancados a ferros a uma imaginação debilitada, a coisa pode ser que arranque a sério.

[Aviso à navegação: Não tenciono deixar de escrever. Temos pena! Este post é suposto ser sobre isso mesmo. Pelos vistos estou com alguma dificuldade em fazer passar a mensagem.]

Conto[s]

O
Agarras-lhe pela cintura. Beijas-lhe o pescoço. Há uma mão que tenta afastar-te. Insistes. Indiferente aos cheiros dos ingredientes para o jantar. Encostas-lhe o corpo contra a bancada da cozinha. A mão desce por entre as pernas nuas sob a mini-saia. Ela evita tocar-te. Refila por causa dos cheiros. Pela hora do jantar que se aproxima. Mas beija-te o pescoço. Sabe a sal. A mar. É um jogo de forças. A responsabilidade contra o prazer. As convenções contra o prazer. Vira-la para ti. Desapertas o fecho da saia que cai. Continuas a beijá-la enquanto a fazes deslizar para fora da cozinha. As resistências começam a desmoronar-se. Os olhos dela, transparentes, são agora uma súplica silenciosa. Pegas-lhe ao colo. Não há tempo para chegar ao quarto.

[Este conto tem dono. Foi pago a um euro.]

Adeus tristeza

E de repente o coração faz-se muito pequenino. Sobe pelo peito. Aloja-se na garganta. Quer gritar e não consegue. Quer espernear. Bater num saco de boxe. E a única coisa que consegue é ficar sentada a meio do sofá. Pernas cruzadas em posição de lótus. O olhar fixo num ponto acima da televisão. Não há palavras. Não há reacção possível. Sabe que perdeu qualquer coisa de importante. Não se lembra onde, nem quando. Quer [re]começar. Fazer tábua rasa. Sem erros. Sem medos. Mas a vida não se apaga. Ainda bem! Há memórias dos primeiros dias que a fazem esboçar um largo sorriso. O primeiro gesto naquilo que parece uma eternidade. Há olhares que lhe ficaram registados na memória como uma fotografia. Abre a caixinha verde alface com frequência. Só para recuperar esse olhar. Há palavras escritas que não se repetem. Que deixaram saudades. Do nada chega-lhe uma tarde de chocolate. Chega-lhe o som da sua própria voz a dizer que ‘estou a envelhecer mal’. Lembra-se da trabalheira que foi explicar-se. E hoje percebe-o melhor que nunca. São sempre tão grandes as saudades pelo que já passou que é incapaz de aproveitar o momento presente. Há coisas na vida que nunca deviam mudar. A felicidade é um estado intermitente. Isso ela nunca conseguiu aceitar. Mas a vida não se apaga. Olha que porra! Por isso exige todos os dias mais. Mais e mais. Mesmo quanto a bitola já estava tão alta. Percebe que há expectativas que nunca serão satisfeitas. Quer acreditar que coloca a fasquia demasiado alta. Que o erro está em si. Faz um esforço sobre-humano para não pedir nada. Para aceitar apenas o que a vida lhe dá todos os dias. A isso chama-se resignação. Palavra abominável. Riscada a negro, para que não se leia sequer à transparência, no seu dicionário. Até que o coração se faz muito pequenino. Cheio de raiva onde devia estar amor. As lágrimas não chegam. Os joelhos doem quando a posição de relaxamento se transforma em desconforto. O olhar, parado durante tanto tempo, é atraído por um risco de sol na parede branca. Vira a cabeça. Olha para a rua onde a vida continuou a correr, ainda que com o vagar dos dias de Verão. Enfia os sapatos. Põe os óculos de sol. Agarra nas chaves do carro e promete a si própria que nas próximas duas horas não pensará em nada. Adeus tristeza.

[Estou decidida a limpar os meus drafts do blogger. Depois de ontem ter criado mais dois, hoje fui aos arquivos buscar prosas antigas.]

segunda-feira, agosto 21, 2006

Hoje...

...escrevo para o umbigo*.

[também conhecido como blogger]

Decote

Porque não nos olham nos olhos se usamos um decote?

Sempre? Nunca mais!

Não existe um para sempre na minha vida, mas faz-me falta alguma eternidade. Há anos deixei de acreditar no sempre porque o sempre me desiludiu. Deixou de sê-lo e ficou a meio como se um sempre pudesse não ser concretizado. Então, revoltei-me contra a palavra e contra o que ela significa e pus tudo ao lado do nunca, outro termo que eliminei.

Sempre acreditei em coisas. Sempre lutei por elas. Nunca tinha desistido de nada. Mas um dia o aquilo em que acreditava foi-se do sempre para o nunca mais e talvez do nunca mais para o quem sabe, um dia. Ninguém pode dizê-lo. Muito menos eu. Por isso decidi que nem sempre, nem nunca, seriam palavras a usar, a crer, a querer para a minha boca.

É terrível não dizer amo-te para sempre. É terrível não dizer quero ficar contigo para sempre. É terrível não dizer nunca te deixarei. Mais terrível é não acreditar em nenhuma dessas afimações, e por isso deixá-las a meio, sem o amor, sem o sempre, sem o nunca, sem nada que nos comprometa por mais que um dia, uma semana, vá lá...

Gostava de ter um sempre. Gostava de uma eternidade parecer real na minha vida. Confesso que sim. Mas gosto mais de não chorar todos os dias, de não gritar todos os dias, de não exasperar a cada minuto que descubro que um só sempre, afinal, não o é. Prefiro viver estes intermédios imperfeitos, estes gostares assim, assim, estas paixões que podem não sê-lo, estas certezas que não existem. Prefiro porque me dão o conforto de amanhã não ter de pensar 'eu já sabia', não ter de ouvir 'eu bem te disse', não ter de aceitar que 'nada é para sempre'.

Sempre acreditei nisto. Mas agora, nunca mais! Ou talvez um dia.

domingo, agosto 20, 2006

Realidade

Queria ter-te nos meus sonhos mas o teu rosto continua fixo na almofada que jaz ao ao meu lado.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Afectos [III]

Contar os minutos que faltam para o fim do dia. Esquecer a semana. Meter na mala o biquini. Básicos para dias de mar. O óleo das massagens. Queimar os quilómetros que levam à praia. Jantar regado com um bom tinto. Falar sobre tudo e sobre nada. Risos. Deitar tarde para adormecer num abraço prolongado. Acordar quando o sol vai alto. Deixar as horas escorrerem lentamente por entre os dias. A certeza que nada se perde. A partilha da preguiça. Em grandes doses de mimo.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Já vai sendo tempo de escrever qualquer coisinha

Talvez explicar porque me sinto como um elefante numa loja de porcelanas. Talvez falar das coisas que me tiram do sério. Das montras cobertas de preto. Dos tons de Inverno que mancham as ruas do Chiado. Falar do sem-abrigo que ontem se sentava numa esquina de um bairro semi-suburbano de Lisboa. Fiquei a pensar naquele homem com barba de três dias. Roupa suja. A pele tingida pela falta de água. O olhar perdido num ponto do outro lado da rua. Foi apenas um relance enquanto tu aceleravas a caminho de casa. Mas nesse microssegundo quis inventar-lhe outra vida. Uma história mais feliz. Uma em que se senta, a olhar para o mesmo ponto indefinido, mas por vontade, não por falta de opção. Depois lembrei-me que não tenho imaginação para tanto. Não sei criar histórias. Sou uma contadora de factos. A realidade pura e dura. E então quis sair do carro. Ir ter com aquele homem. Pedir-lhe que me contasse como chegou ali. Fazer da matéria com que se fazem os pesadelos, uma história com palavras feias, das que ferem a vista. Palavras que castigam os ouvidos mesmo quando proferidas num sussurro. A vida tal como ela é. Sem um patrocínio colorido. Pintada com os tons mais negros. Uma vida tão diferente da minha, em que mesmo os cinzentos são fruto da minha imaginação. Queixamo-nos [me] de tanto. Por tudo. Por nada. Sem perceber que cada minuto, cada palavra, gasta num queixume, é tempo e memória desperdiçada.

[E não era nada disto que queria escrever. Esta cidade precisa de cores. De sorrisos e gargalhadas. Anda melancólica. Tristonha. E até eu, pseudo-deprimida de nascença, começo a ficar cansada. Faz cá falta a ironia da Miranda [a Samantha não lhe fica atrás, mas anda distraída, a miúda, a precisar de uns abanões] e a candura da Charlotte. A primeira até tem desculpa. Não encontra o PC no meio das paredes deitadas abaixo, mas a segunda... bem, já nem sei que lhe diga...]

quarta-feira, agosto 16, 2006

Estados d'alma II

Coração dividido.
Despedaçado
Tristeza profunda.
Memória traiçoeira.
Lágrimas por dentro.
Dor.
Estado crítico...
Sem alma.

terça-feira, agosto 15, 2006

Estados d'alma

Como um elefante numa loja de porcelana.

Divã XIV

Recostou-se de olhos pregados naquele tecto branco sujo que já conhecia tão bem.
- Novidades?
- Poucas, Doutor.
- Já não nos vemos há tanto tempo. Tem de ter novidades.
- Há uma, Doutor...
- Então?
- Não senti a sua falta...

segunda-feira, agosto 14, 2006

Regresso ao trabalho

Havia muitos dias que aquele despertador não tocava. Naquela manhã fez-se ouvir bem alto e teve de ser desligado três vezes. Outras tantas insistiu em tocar. A manhã ia a meio e não havia motivos para não abrir os olhos, para não sair da cama, para não rumar à banheira num duche quente e lento, cheiroso e tão despertante como um novo toque do despertador.

Sem pequeno-almoço, roupa nova em cima da velha ganga saiu. Levava tudo, até a má-disposição de uma segunda-feira pós-férias. Os óculos, o telefone, a chave, as traquitanas na mala.... Era uma mulher. E tudo se perdia lá dentro. Um clássico.

O galão e o pão de Deus adoçaram-lhe o fim da manhã. E despertaram-na para o dia que aí vinha. Sem vontade, revirou as páginas do jornal e folheou-o de trás para a frente, como se habituara a fazer. Começou por ler o Calvin & Hobbes.

Abriu o computador a medo, apagou as centenas de mensagens, as de vírus e as outras, e arrumou o espaço de trabalho. Tinha de começar do zero, num dia sem quase ninguém, com poucos colegas, com trabalho moderado, com ideias feitas. E uma reunião importante às 4 da tarde.

Aguentou tudo como se nada fosse e pensou que folgaria, em breve. Gostava do trabalho que fazia, e do sítio onde estava, mas não gostava de primeiros dias. Nem dos da semana, nem dos primeiros dias após umas maravilhosas férias de Verão.

Decidiu sair mais cedo. Enrolou uns papéis e fechou o computador. O alinhamento do jornal estava alinhavado, o dia seguinte estava previsto, a semana estava preparada. Pensou que uma noite de sono lhe traria forças outra vez.

Saiu com a mala desarrumada e fechou a porta sem olhar para trás. No dia seguinte regressou com um sorriso.

Domingo

Passou o dia entre a piscina e a cama. O corpo estava dorido e as viagens dos últimos dias não ajudavam ao relaxamento. Estava exausta sem estar cansada. Estava esgotada.

Adormeceu ao sol quando, na água, o barulho de chap chap se fazia ouvir em alta frequência. Gente que saltava de pés da borda da piscina, gente que gritava, corridas e espectáculos admiráveis no meio da água como se ali fosse o centro de demonstrações aquáticas, à maneira de Joselito na sua mota no Poço da Morte. Mesmo assim dormiu. A cadeira de plástico esticou-lhe os músculos e sentiu um pano molhado por debaixo dela. Tinha mergulhado uma vez para refrescar.

Quando o silêncio ficou, ela também. Ali estava, de caras com o sol, num domingo tão prazenteiro quanto só. Passou o chapéu pelos olhos para não levar com a luz directamente e deixou-se estar. Cheirava a relva cortada de fresco e ouvia-se a água da piscina a borbulhar, lá ao fundo, onde lhe fizeram uma cascata.

Veio para casa molhada. O verde fresco que a vestia até aos joelhos dava-lhe um ar de passeio. Mas os chinelos não enganavam: era tempo de praia e ela ia para casa. Deitou-se a meio da tarde e esqueceu-se de almoçar. O sol ainda queimava lá fora, mas os lençóis cobriram-lhe as pernas e não deixaram escaldões. Voltou a adormecer, naquele domingo de solidão.

Quando acordou, tinha um convite para jantar.

domingo, agosto 13, 2006

Eles rolam




Dez em ponto e o fogo subiu ao alto num Estádio (lindo) coberto de gente com línguas de fora estampadas na roupa. Os Rolling Stones entraram em palco e Mick Jagger começou a cantar. Bem.

Vestido de preto e vermelho, condizia com os restantes membros da banda, mas ao fim da terceira música já mudava para um casaco azul petróleo e eles lá estavam, a condizer, outra vez. Com uma média de idades (dos quatro) na casa dos 62 anos, ainda dão luta, os Stones: mexem-se, fazem dançar, vibrar, gritar. You can always get what you want, assim é que é.

O concerto, de cerca de hora e meia, foi muito bom. A cenografia era espectacular, com uma espécie de fundo de sala de ópera, coliseu em material Guggenheim Bilbao, onde as luzes reflectiam e o efeito era lindo. No meio, um écran gigante onde passavam as imagens do concerto, e outras, rebuscadas no passado de uma banda que acordou em Londres nos anos 60.

Não havia onde enfiar uma agulha, no meio da plateia... ainda assim, ela abriu-se para levar o palco até lá ao fundo, onde os mais atrasados tinham chegado. E ficaram eles em primeira fila.

Do álbum A bigger bang, muitas músicas. Mas foi no encore, com I can't get No satisfaction que o Estádio se levantou. Foi demais. Braços ao alto, vozes em grito, e a satisfação de estar ali, talvez no último concerto da velha banda, em Portugal.

sábado, agosto 12, 2006

O costume...

Porque continuas a dormir comigo se a almofada do lado está vazia?

Porque me apareces de mão dada com uma mulher e me escolhes a mim num sonho que me parece tão real que até sinto o teu cheiro e o calor da tua boca quando me falas?

Porque me escolhes nos sonhos e me deixas, mal acordo?

Porque não deixas os meus sonhos em paz?

Porque é que continuo a sonhar contigo. Quem me dera dormir descansada...

E o crocodilo?




Um crítico de cinema deu cinco estrelas a um filme e a Carrie acreditou. Eu também, e a querer reviver risadas e suspense do passado, lá fomos ver o Miami Vice. Decepção.

O Jamie Foxx e, sobretudo, o Colin Farrel nunca cnseguirão substituir a dupla dos anos 80 que, em Miami, dava cabo de todos os passadores, vendedores, fornecedores e negociantes de droga.

O filme parece-me bem realizado (Michel Mann) mas é tudo! Soa a falso. Está cheio de clichés... a bandida que se apixona pelo herói; os bons que ganham aos maus mas, no fim, fica sempre a ideia de que a maldade não foi totalmente destruída; os bons que também morrem; os maus que são todos de outras etnias e nacionalidades que não a americana... e, ainda por cima, Colin Farrel - que lá veste o blazer por cima da t-shirt - mas não vive num barco com o crocodilo. Porquê? Porque hoje isso seria proíbido. Mas tudo o resto que se passa no filme: dos tiros às mortes acidentais, do alcool à droga, não. É tudo possível...

É uma daqueles filmes para passar nas tardes de domingo da SIC, como disse a Carrie. Nada mais. Muita luta, muita acção, o suspense do costume e a banalidade ao virar da câmara.

Ainda assim boas imagens e um Jamie Foxx bem posicionado, muito acima de um Farrel de bigode a mais e com uma seriedade extrema. Ainda por cima, sem crocodilo! Venha o Don Johnson...

Carrá

Arsène chama-lhe Carrá e assina t-shirts com o logotipo (um enorme lagarto), o mesmo que também está na cabeça da holandesa que serve às mesas do micro-bar. É um lagarto pintado, tatuado, numa cabeça rapada de propósito para o animal, porque o resto, também pintado - e espetado - é cabelo louro.

Arséne é o dono da loja de camisas e calções, saias e outros objectos ou peças de roupa sempre com motivos étnicos. E também aluga casas, na Carrapateira. Ou, simplesmente, Carra...

De manhã a praia estava submersa pelo nevoeiro. O calor chamava ao mergulho imediato nas águas quentes, e hoje, pouco dadas ao surf. Mar estável, sol lá em cima das nuvens escuras, humidade relativa, praia quase no ponto. E depois foi-se, esse fumo natural, e o calor acentuou-se, obrigando a mais banhos e a um protector mais forte. Solar.

Eu não conhecia a Carrapateira e fiquei apaixonada. Fica num Algarve cheio de estrangeiros mas que são habitantes, não turistas. Fica num Algarve sem portugueses ricos, mas que alugam pequenas casas e não se importam, fica num Algarve que diz quem pode, não é Algarve, porque é Costa Vicentina. E aí é que estão as boas praias.

Areia branca, acessos escanzelados porque não interessa chegar facilmente. Mar bruto de manhã - porque a lua encheu, esta semana - maré vazia já de tarde, quando um hamburguer ou uma tosta de atum já tinham preenchido o lugar de almoço. O sol punha-se tarde. E como se punha lindo, a fazer de propósito, ocupando todo o mar, para que todos pudessem ver: os estangeiros, os portugueses, os surfistas, os simples banhistas, os homens do bar...

Digam o que disserem, a alma ainda se enche quando conhecemos sítios assim.

Ora aqui está! E não se fala mais no assunto...

"O sentido da infelicidade é muito mais fácil de comunicar que o da felicidade. Parece que, na miséria, tomamos consciência da nossa própria existência, que mais não seja sob a forma de um monstruoso egotismo: esta minha dor é individual, este nervo que se crispa pertence-me e não a outro. Mas a felicidade aniquila-nos: perdemos a identidade."

O Fim da Aventura, Graham Greene

quarta-feira, agosto 09, 2006

O [meu] rio

O medo cresce na proporção exacta da subida do mercúrio dos termómetros. Rega-se a relva. Molham-se os primeiros metros do pinhal em volta. Tenta-se, por todos os meios, manter um nível da humidade que impeça que o rastilho se acenda. Que afaste as chamas. Para que não seja preciso deitar aos mãos a cabeça, num pedido desesperado a S. Expedito, a São José e à Nossa Senhora de Fátima. Uma santa trindade formada nas crenças da minha mãe. O fogo ainda não rondou a [minha] Serra este ano. Mas andou lá próximo. O fumo, transportado pelo vento, por cima do monte, infernizou olhos e narizes. Encheu de faúlhas negras a água que se quer do azul do mar. Andou perto da [minha] outra Serra, mesmo ali ao lado, junto ao rio da minha adolescência. Morreram cinco bombeiros que fizeram as manchetes do jornal. Evacuou-se de emergência um parque com milhares de histórias para contar.

Nesse dia pensei com saudade nos salgueiros que caem sobre o rio. Na sombra que acolheu horas de conversa. Discussões acesas. Jogos de cartas. Namoros. Bebedeiras. Cigarros que faziam rir. De dia e de noite. Noites em que víamos o sol nascer por detrás da Serra. Penso no rio que tantas vezes me refrescou. Nas águas que viram nascer um grande amor. A minha serra, esta, tem um nome impronunciável. Daqueles em que as letras repetidas se enrolam a língua.

Volto todos os anos àquele rio. Regresso sempre a um dos sítios onde fui mais feliz. Mesmo sabendo que sentirei um aperto no peito porque há coisas que não voltam nunca. São irrepetíveis as noites dormidas sob o céu estrelado. As cervejas bebidas no jardim infantil. Não voltaremos a fazer ranger as correntes dos baloiços. Não mais seremos ameaçados pelo vizinho da padaria, de caçadeira em punho, enquanto esperávamos pelos primeiros bolos quentes. Salvar-se-ão carros novos, a brilhar, como o Golf que enfiamos numa fossa em construção, porque a cerveja tinha acabado. Nunca mais jogaremos às escondidas com a GNR. Não faremos visitas ao cemitério, que prometia “O Descanso da Vida”, escrito em grandes em letras de ferro forjado por cima do portão. Não voltarei a ouvir o L. cantarolar ‘leva-me contigo’, enquanto atravessava o rio à procura de sossego, longe do olhar vigilante dos meus pais. Não voltarei a apaixonar-me por aqueles olhos negros, com a certeza que aquela paixão de Verão teria um ‘to be continued’ inevitável.

Penso nos sonhos construídos em tardes de Verão. Nos Castanheiros. Nos Carvalhos. Nas Oliveiras. No pomar ali ao lado, onde roubávamos fruta porque era mais fácil do que ir buscá-la à tenda. Penso na tarde em que vi a encosta desfazer-se em cinza perante os nossos olhos incrédulos. Não será a primeira vez que o meu rio ‘arde’. Mas há a certeza que sempre se regenera. Como eu.

Gosto [II]




[Obrigada C.]

terça-feira, agosto 08, 2006

Prognósticos

Teme-se novo chumbo a ciências sociais.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Diário de Bordo V - Ainda Berguedá




Lá fora jogam o Ricardo e o 'Vítor Baria', nomes emprestados a pai e filho que são também o meu sobrinho de 4 anos e o meu irmão do meio. Algo me diz que o jogo não vai acabar bem porque o Vítor Baria apresenta cansaço e o Ricardo faz birras sempre que lhe marcam golo.

Cá dentro, na grande tenda, actualiza-se o blog.

Hoje foi um dia de comboios e de alguma aprendizagem. Depois do duche e do pequeno-almoço fomos a caminho do Museu de les Mines de Cers, uma terriola aqui próxima que cresceu à conta do trabalho nas minas. A visita deu direito a uma voltinha nos comboios dos mineiros, e a uma melhor compreensão de como viviam famílias inteiras há cerca de um século. Deu também para perceber que ser jornalista não é nada, comparando com a tarefa de mineiro. E o barulho dos teclados ou dos colegas mal-dispostos nunca competirá com o das máquinas dos mineiros; e o fumo nas redacções não verdes nunca competirá com o pó; e os bunkers sem janelas onde trabalhamos nunca competirão com uma mina de vários metros, oito horas por dia sem uma nesga de luz. Bem vistas as coisas: temos sorte.

O almoço foi à beira da estrada. Mas ninguém nos conhece e há muitos dias que o único português que se ouve é o nosso. Sem lamentações...

À tarde fizemos o percurso do Ferrocarril de L'Alt Llobregat, um pequeno passeio num comboio descoberto, tipo infantil, que passa inclusivé numa zona de jardins construídos pelo Gaudí. A tarde terminou na piscina aqui do Parque e vamos agora jantar a um sítio onde serei eu a pagar. Esta viagem tem-me custado zero e vou tentar uma pequena compensação a esta família de apoio. Nada que o meu orçamento pós fim-do-mês não resolva com algum facilidade.

A partida, já o disse, é amanhã. Vou sentir falta do loirinho a dormir ao meu lado agarrado a um cão de peluche com um só olho; vou ter saudades da montanha, da piscina e dos banhos. Vou ter saudades dos pique-niques e das meias-de-leite. Vou ter saudades da vida no campo. Vou ter saudades destas férias...

E talvez fique por aqui, esta espécie de Diário de Bordo.

Tardes de Agosto

Quase todos os dias há um artista ‘convidado’ no Carmo. Há pouco, uma hippie tocava flauta. De manhã arranhavam uma guitarra. Eu tenho saudades do saxofonista e do jazz que subia a travessa e entrava pela janela do segundo andar.

Gosto


... da publicidade da Super Bock.
[O que queria mesmo era a pub da Miss Playbock, mas não encontrei]

Afectos [no metro]

Ela: Gosto muito de ti.
Ele: Quanto?
Ela: Daqui até à lua…
Ele: Só?

quinta-feira, agosto 03, 2006

Diário de Bordo IV - Camping El Berguedà



Acabou-se o interminável canto da cigarra e os caminhos de arvoredo até à casa de madeira. Acabaram-se os rios de lodo e água quente e os zumbidos das abelhas junto às nossas cabeças.

Estamos agora mais próximo da montanha. A cerca de 100 Km. de Barcelona, mas numa zona junto aos Pirinéus, mais propriamente na Pedra da Forca. O nome não é entusiasmante para quem está de férias, mas acabámos num parque de campismo pacato onde montámos tenda e fizemos cama.

A nossa vida tem sido fácil: comer, dormir, passear. Só custam os percursos mais alargados, na deslocação que já fizemos - voltámos a Espanha - e as eternas birras do loirinho que nunca está satisfeito com nada. Mas quando não está de birra, é um doce que, aos 4 anos, nos trata por queridos e nos chama de preferidos. Chamo-lhe esperteza...

Hoje andámos a visitar aldeias históricas, marcos romanos de séculos passados que se ajustam na montanha e descem com ela. Não são descobertas brilhantes, mas fazem-nos pensar que estamos realmente de férias. Esta história do campismo também pode parecer provinciana ou pobretanas, mas tem o seu lado natural muito agradável. Ontem cozinhámos uns hamburgueres e uma massa de molho de tomate que estava supimpas e hoje o almoço foi de pique-nique. Pelo meio vou bebendo as minhas meias-de-leite - traduzidas na língua necessária - e umas coca-colas que sabendo eu que só fazem mal, ajudam a refrescar os mais de 30 graus que tivemos por estes dias.

Este parque tem piscina e amanhã vamos tentar uma localidade aqui próxima onde podemos fazer uma bela viagem num comboio histórico.

Depois de amanhã sigo caminho de Barcelona para Lisboa, num avião que há-de aterrar na Portela. Os meus companheiros de viagem prosseguem para outra semana, e deixo de ser uma espécie de filha mais nova que nem dinheiro tem para pagar um café...

Se puder ainda volto a este diário...

quarta-feira, agosto 02, 2006

Incontinência verbal

Percebo, pela terceira vez em menos de 24 horas, que fui atacada por um raro vírus de incontinência verbal. Se às situações reais, vividas entre as 18h e as 23h, juntarmos a produção bloguistica dos últimos dias, o caso ganho contornos de esquizofrenia.

Um dia destes apanhei, juntamente com o R., as cenas finais de um filme. Não faço ideia do título, apenas sei que era com a Michelle Pfeiffer e [acho] o Bruce Willis. Digo ‘acho’, porque o que realmente me deixou de boca aberta foi o discurso feito por ela, um pedido de desculpas ‘vomitado’, sem que a loira parasse sequer para respirar. Lembro-me que eu própria fiquei cansada e que a minha única reacção foi olhar para o lado e dizer: ‘Porra, as mulheres falam mesmo demais’. Dez minutos de frames para chegar a uma simples palavra: ‘Amo-te’.

Ontem aconteceu-me mais ou menos o mesmo. Ao lanche queixei-me do queque mal cozido até deixar o pobre do sr. M. ‘encostado’ à parede, não fosse o palavreado fulminá-lo logo ali. Deve ter ficado a pensar que raio de bicho me teria mordido, logo a mim que normalmente me limito a duas ou três palavras, dependendo do pedido, ao início e três no final. A conta se faz favor. Sai do café a fazer o mesmo comentário para o meu chefe, desta vez sobre mim própria: ‘Porra, as mulheres falam mesmo demais’. Algumas horas mais tarde, morta de cansaço, com a promessa de uma massagem a pairar-me na cabeça, farta de dirimir argumentos para ver o trabalho acabado, e depois de ter sido presenteada com mais uma prosa, depois da secção ter saído em peso quando ainda era de dia, ouvi o mesmo chefe dizer. ‘Vai-te embora que já não te posso ouvir’. Há ainda terceiro exemplo. Não me criticaram por falar demais, mas percebi rapidamente que tinha perdido uma excelente oportunidade para ficar calada. E esta prosa, que andava a rondar o teclado do Vaio vai para três quinze dias ganhou forma a caminho de casa. Posto isto, vamos lá ao que interessa.

Se esperam alguma novidade, alguma cacha, desiludam-se. A roda já foi inventada há anos e nesta coisa das relações entre mulheres e homens também não há nada de novo no horizonte. Não pretendo generalizar, nem o entendi só agora, mas desta vez deu-me para elaborar sobre o assunto. Efeitos do vírus de incontinência verbal...

Nas relações as mulheres falam pelos cotovelos. E não estou a incluir aqui a conversa mais banal, palavras ditas que se embrulham e deitam fora apenas para preencher o silêncio. Nas relações as mulheres querem esmiuçar tudo. Entender por A mais B porque é que as coisas acontecem assim e não de outra forma. Querem deixar bem claro, preto na transparência, cada pormenor do que sentem, do que fazem e do que dizem. E não basta dissecar até à exaustão os como e porquês da relação presente. Vamos ao armário e exigimos que se estendam os fantasmas, quais peças de roupa velha que se escolhem para dar na igreja, à vista de todos [ao caso dos dois]. Acreditamos que se falamos abertamente do assunto, qualquer que ele seja, então é porque não temos nada a esconder. Muitas vezes uma omissão pode valer tanto como uma mentira.

Os homens são exactamente o contrário. Fecham os armários da memória a sete chaves, esperando nunca, em momento algum, ter que resgatar nem que seja uma peúga. E na relação acreditam que um ‘amo-te’ digo de tempos a tempos, como quem pica o ponto à saída da repartição, é suficiente para manter acesa a chama. Nada de conversas supérfluas. Chamam-lhe pragmatismo. Há qualquer coisa nos genes que os impede de dizer directamente o que pensam e o que querem, limitando-se a remeter-se ao silêncio, dando rédea solta à imaginação feminina [e que imaginação!].

Carta fora do baralho

É uma imagem difusa que se intromete no delinear dos planos do dia, enquanto alisa os lençóis. Não chega a parar o que está a fazer. Mas a imagem está lá. Como uma moldura meio torta na parede, que só agora se vê. Como um livro fora do sítio. Uma vela acesa onde antes não existia nada. E de repente há som. Uma frase dita na véspera. E a imagem, que nada tem a ver com o som, toma uma nova forma. Acendem-se campainhas. Ela senta-se na cama. Alisa mais uma vez os lençóis à sua volta. Como quem passa uma borracha pelo assunto. Agora nada faz sentido. Também sabe que não vale a pena continuar a pensar no caso. Nunca fará sentido. São só pensamentos ruminantes a intrometer-se na qualidade dos dias. Mas há uma peça desalinhada no puzzle. E isso ela não consegue esquecer…

terça-feira, agosto 01, 2006

A ver se nos entendemos…

Espécime do sexo masculino diz:
bom, tenho de insistir....
Carrie diz:
sim????
Espécime do sexo masculino diz:
se estás bem servido, porquê as acelerações e travagens em Monsanto?
Espécime do sexo masculino diz:
a bota e a perdigota... é aquele problema...
Carrie diz:
oh xxxxx! eu não sou uma pessoa fácil
Espécime do sexo masculino diz:
fácil?
Espécime do sexo masculino diz:
não tamos a falar da mesma coisa...
Carrie diz:
estou apaixonada por um gajo que me adora, mas como eterna insatisfeita há sempre qualquer coisa que falha
Espécime do sexo masculino diz:
ah, já percebi...
Espécime do sexo masculino diz:
és daquelas melgas adoráveis que por mais que agente dê estão sempre insatisfeitas e querem mais e querem melhor e querem diferente e querem mais quente e querem mais frio e mais isto e mais aquilo...
Espécime do sexo masculino diz:
ok, estamos conversados
Espécime do sexo masculino diz:
gajas!!!!! É o que é

A conversa no msn começou por causa do post abaixo e da pergunta óbvia: ‘mas tu precisas de um IPod?’ E agora o esclarecimento:

Não, não estou deprimida e se as minhas últimas prosas deixam essa ideia, então temos pena. Há muito tempo que esta Cidade não representa um escape de tristezas. Estes posts deram-me gozo a escrever e por isso cumpriram o objectivo. Agradecida!

Diário de Bordo III - Alba la Romaine

Dois dias sem rede, dois dias sem poder alimentar este blog e sem ajudar a Carrie a fazer viver este sítio.

Espero poder continuar, agora.

Nestes dois dias aconteceu tudo e muito pouco coisa. Estar de férias é um regalo e este zona de França, não muito longe do Vale do Loire, é muito agradável. Come-se, dorme-se e toma-se banho num rio de água tão quente que parece de banheira. É incrível. Nunca tinha experimentado rios tão tépidos... e com corrente.

Estamos a dormir numa espécie de challet de madeira, preparado para receber famílias e que é, por isso, indicado para nós. Eu sou a intrusa desta família nuclear, mas acabo por dar jeito como tia, irmã e cunhada. Especialmente como tia, porque já tenho pouca imaginação para mais histórias do Franklin, uma tartaruga-menino que o meu loirinho adorou conhecer. Franklin na escola, no parque, a acampar, zangado, a fazer birra... enfim, conforme a necessidade de momento. Eu invento...

Estamos rodeados de construções do século XVII, inspiradas na arquitectura romana. Agora aproveito um pique-nique tardio para actualizar a viagem. Mas também eu tenho fome e já estão a chamar por mim...

Esta tarde será histórica. E depois, rio!

Serviço público

É exactamente o que estão a pensar, mas com algumas nuances... O OhMiBod vibrator é um acessório com alimentação própria que se liga ao… iPod. Parece que vibra automaticamente, sincronizado com o ritmo e intensidade da música.


São 14 centímetros de brinquedo [só?], e ainda por cima pode ser wireless. Tem um botão que acciona automaticamente a vibração... para ser usado S-E-M o iPod.

[Consta que apareceu numa das revistas de fim-de-semana. Como a minha pessoa esteve desligada do mundo, não viu. O que vale é que o mulherio aqui do pasquim anda bem informado. ]